Dores de cabeça lancinantes, intolerância à luz, enjoos e dias inteiros passados na cama. A enxaqueca é uma doença neurológica incapacitante, ainda que, muitas vezes, quem não sofre com o problema tenha alguma dificuldade em perceber a sua verdadeira dimensão.
De acordo com dados da campanha Viver sem enxaqueca, que a Pfizer, em parceria com a Migra – Associação Portuguesa de Doentes com Enxaqueca e Cefaleias, lançou, para assinalar o dia europeu da enxaqueca, celebrado a 12 de setembro, 62% a 69% da população sente que a doença interfere na relação com filhos e parceiros, e 20% teme perder o emprego por sua causa.
Além disso, o inquérito “Acesso a Cuidados de Saúde na Enxaqueca e Cefaleia”, realizado pela MIGRA, em 2022, revelou também que ainda há muita iliteracia, inclusive dos próprios doentes, com 39% dos inquiridos a afirmar não ter qualquer tipo acompanhamento médico para as cefaleias.
Viver com esta dor ardente, invisível aos demais, é um desafio que pode ser superado mais facilmente, aprendendo estratégias, desde adaptar certos programas, sem ter de adiá-los, até não ter vergonha de partilhar as dificuldades com familiares e amigos, pedir ajuda e não se deixar dominar pela ansiedade de não saber quando chegará a próxima crise.
Nove perguntas e respostas para perceber melhor a doença e os desafios de quem lida com ela diariamente.
1. O que é uma enxaqueca?
“Estas dores afetam geralmente metade da cabeça, a pessoa sente que tem um tambor ou o coração a bater lá dentro”, explica o vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia, Filipe Palavra.
É importante não confundir esta dor com uma cefaleia, designação genérica que se dá a qualquer tipo de dor de cabeça e que, segundo Filipe Palavra, atualmente constitui o principal motivo de pedido de consulta de neurologia na prática clínica diária.
Um episódio de enxaqueca pode durar entre quatro horas e três dias e ser acompanhado de náuseas, vómitos, intolerância à luz ou ao rumor, sendo muitas vezes agravada pelo esforço físico.
2. O que é uma enxaqueca com aura?
Além dos sintomas referidos anteriormente, algumas pessoas podem ter episódios de enxaqueca precedidos de alterações visuais ou da incapacidade em formular palavras, “como se a pessoa estivesse a ter um AVC”. São as chamadas as enxaquecas com aura que Sara Machado, neurologista no Hospital CUF Descobertas, afirma registarem-se em cerca de 10% dos doentes.
“São sintomas neurológicos passageiros, que duram aproximadamente 20 minutos e depois desaparecem sem deixar rasto”. Os mais frequentes são as alterações visuais, pontos luminosos ou linhas em ziguezague, que aparecem de forma gradual em minutos, mas também pode ser um formigueiro, habitualmente na mão, que, antes do surgimento da dor, se propaga para os membros superiores e, no espaço de minutos, chega a metade da face.
3. Só os adultos sofrem de enxaqueca?
Não. Ainda que o surgimento de enxaquecas seja mais frequente a partir da adolescência, as crianças, mesmo que muitas vezes possam ter dificuldade em expressar o que sentem, também sofrem do problema.
4. Os homens e as mulheres são igualmente afetados?
Não. As enxaquecas são três vezes mais prevalentes nas mulheres adultas do que nos homens. Sara Machado explica que tal acontece devido às alterações hormonais que ocorrem no corpo das mulheres a partir da primeira menstruação. “As hormonas sexuais femininas predispõem para mais crises. Mais tarde, na menopausa, como há novamente uma alteração hormonal, 70% das senhoras deixa de ter crises”, acrescenta.
5. A enxaqueca é hereditária?
Os médicos acreditam que sim, ainda que não exista um grupo de genes específico identificado que permita calcular a probabilidade que cada pessoa terá de herdar e vir a manifestar a doença. Porém, estima-se que até 80% das pessoas com enxaqueca têm familiares próximos que também vivem com esta doença
6. Que estratégias podem os doentes usar para controlar o problema?
O site da campanha “Viver sem Enxaqueca”, promovida pela Pfizer e pela MIGRA, sugere que os doentes tentem controlar o stress, dormir um número suficiente de horas e procurar ter um sono de qualidade, não exagerar na medicação, pois “o uso frequente de medicamentos para o alívio da dor na enxaqueca pode, por vezes, levar a cefaleia por uso excessivo de medicamentos ou a outros efeitos adversos”, falar com o médico sobre eventuais problemas de saúde mental, fazer exercício físico de forma regular e procurar ter uma alimentação equilibrada.
7. Quais são os fármacos atualmente disponíveis?
Sem grande forma de prever quem terá ou não enxaqueca, os médicos encontram também dificuldade em adotar um tratamento-tipo, acabando por recorrer a antidepressivos, antiepiléticos, e betabloqueadores.
O principal problema destes fármacos de primeira linha, como comenta a neurologista Sara Machado, é que, apesar de serem seguros e eficazes, não foram desenvolvidos para a enxaqueca, funcionando muito por tentativa/erro.
8. É verdade que a toxina botulínica pode ser usada para tratar certos doentes?
Sim. A terapia com toxina botulínica é uma opção disponível para alguns doentes elegíveis, que permite evitar os efeitos secundários dos antidepressivos, antiepiléticos, e betabloqueadores.
Apesar de ter o inconveniente de ser injetável na cabeça, a toxina botulínica permite reduzir a frequência dos tratamentos, conferindo-lhes uma regularidade trimestral ou até mesmo semestral. “Está indicada apenas no tratamento de enxaqueca crónica. O produto é uma tóxica purificada, produzida por bactérias e essa toxina é injetada perto dos terminais dos nervos que transmitem a dor na cabeça”, explica a presidente da Sociedade Portuguesa de Cefaleias, Raquel Gil Gouveia.
A injeção de pequenas doses da toxina, que inibem as terminações nervosas responsáveis pela transmissão da dor, é feita num conjunto de 31 ou mais pontos, podendo o médico optar também por uma abordagem “follow the pain”, ou seja, escolher os pontos onde o doente refere a existência de dor.
9. Qual o tratamento mais inovador para a enxaqueca?
Atualmente, são os anticorpos monoclonais. Podem ser anti-CGRP, desenhados para atingir a molécula CGRP, ou antirrecetor do CGRT, desenhados para atingir o recetor dessa mesma molécula.
O CGRP (peptido relacionado com o gene de calcitonina) é um mediador molecular, que se verificou estar envolvido na patologia da enxaqueca, e um dos mais potentes vasodilatadores do nosso organismo. A terapia injetável, dirigida ao CGRP ou ao seu recetor, vai direita a um destes dois alvos e bloqueia a ação dos mesmos, permitindo controlar os sintomas, prevenir a ocorrência de crise de enxaquecas e reduzir os riscos associados ao uso excessivo de analgésicos.
Atualmente, dos quatro anticorpos existentes, três já estão disponíveis no nosso país. Não serão a panaceia da doença, mas para lá caminham, dado que, segundo Raquel Gil Gouveia, 85% dos doentes respondem de forma positiva.
Além disso, os quatro anticorpos existentes atualmente foram capazes de atingir o objetivo primário do ensaio clínico: “Em três meses, reduzir, pelo menos em 50%, o número de dias por mês com dor de cabeça”.