Como é que um alimento fermentado, que mais não é do que um ingrediente já amadurecido e envelhecido, é tão bem recebido pelo organismo humano? Como é que esse processo bioquímico de transformação de uma substância devido à ação de um fermento, na verdade de um fungo, passou de milenar forma de conservação para uma técnica usada nas mais inovadoras cozinhas do mundo?
Apesar de não ser conhecida a origem da kombucha, julga-se que este chá (verde ou preto) que se faz com um fungo, tenha surgido na Manchúria (uma região no leste da Ásia) em 220 a.C.. É descrita como uma bebida rica em ácidos orgânicos, enzimas ou vitamina B e são as suas características desintoxicantes e antioxidantes que ajudam a regular o funcionamento do aparelho digestivo, do fígado e da circulação.
Mas, a kombucha não está sozinha. Concluídos alguns estudos sobre a ingestão de fermentados, alimentos obtidos através da combinação de leite, vegetais crus e micro organismos como a levedura, são aconselhadas seis doses diárias de comida fermentada, como iogurtes, queijo, kefir, kombucha ou kimchi, na lógica de poder baixar a inflamação e melhorar a diversidade da flora intestinal.
O kimchi, receita tradicional da República da Coreia de legumes em conserva e temperados com especiarias, frutos do mar fermentados e peixes, entrou em 2013 para a lista representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade da Unesco.
Na verdade, foi a prática coletiva do kimjang a ser destacada, ou seja, a forma de preparar e partilhar essas conservas. A preparação das conservas obedece a um ciclo anual: na primavera, as famílias abastecem-se de camarões, anchovas e outros peixes, salgam-nos e põem-nos a fermentar. No verão, compram o sal para preparar a salmoura e, no final dessa temporada, põem a secar as pimentas picantes, para depois serem moídas. O final do outono é a época do kimjang, e as comunidades preparam em conjunto e partilham grandes quantidades de kimchi, para que cada família tenha reservas suficientes para o longo e rigoroso inverno.
Segundo uma recente revisão científica, que analisou 11 ensaios clínicos eleitos aleatoriamente, com a participação total de 608 pessoas, publicada online na revista Journal of Ethnic Foods, o kimchi “previne a aterosclerose e o dano hepático causado pelo colesterol elevado, melhora os parâmetros metabólicos gerais, a glicemia e o colesterol em jejum, melhora as deficiências cognitivas. Descobriu-se que o kimchi tem propriedades anti-inflamatórias, melhora o enfraquecimento geral das funções vitais causado pelo cancro, induz a apoptose [morte celular programada] e previne o cancro do cólon”, lê-se no estudo.
Mais recente é a entrada do alho-negro na lista de alimentos envelhecidos. Trata-se de uma fermentação que pode prolongar-se até 40 dias, com temperatura e humidade controladas, e que fará com que o alho perca o amargor natural quando fresco e ganhe um sabor tostado e doce. A ingestão de alho-negro pode ser eficaz no controlo dos níveis de açúcar no sangue, ajudando a retardar a libertação de insulina.
A preocupação e procura cada vez maior por uma alimentação mais saudável e com mais benefícios para a longevidade tem vindo a aumentar e está para durar. Se o coração e os músculos são determinantes para se viver mais e com melhor qualidade de vida, o impacto positivo dos alimentos na saúde do cérebro também é uma mais-valia.
Os alimentos fermentados são uma fonte de triptofano, um aminoácido essencial para a produção de serotonina, neurotransmissor que atua no cérebro, regulando o humor, sono, apetite, ritmo cardíaco, temperatura corporal, sensibilidade e funções cognitivas, também conhecida como “hormona da felicidade”.
A serotonina tem fortes ligações ao intestino. Só 5% é que se fabrica no cérebro, o resto está armazenado no intestino, escreve Uma Naidoo, diretora do serviço de psiquiatria nutricional do hospital de Massachusetts e autora do livro This Is Your Brain on Food.
Segundo a Sociedade de Microbiologia no Reino Unido, investigadores da APC Microbiome, da Universidade College Cork e da Teagasc (Autoridade de Desenvolvimento Agrícola e Alimentar da Irlanda) estão atualmente a trabalhar num grande estudo para responder à pergunta: Quais são os alimentos com maior impacto na saúde do cérebro?
Ramya Balasubramanian e a equipa da APC têm estado a comparar dados de mais de 200 alimentos de todo o mundo, procurando uma variedade de metabólitos conhecidos por serem benéficos para a saúde do cérebro e, mesmo numa fase inicial, já estão surpreendidos com alguns resultados preliminares.
“Estava à espera que apenas alguns alimentos fermentados aparecessem, mas de 200 alimentos fermentados, quase todos mostraram a capacidade de exercer algum tipo de potencial para melhorar a saúde do intestino e do cérebro”, revela Ramya Balasubramanian. “Produtos fermentados à base de açúcar e outros à base de vegetais são como ganhar na lotaria quando se trata de saúde intestinal e cerebral”, acrescenta.
“O açúcar fermentado pega no substrato do açúcar em bruto e converte-o numa infinidade de metabólitos que podem ter um efeito benéfico no hospedeiro. Por isso, mesmo que tenha o nome ‘açúcar’, se se fizer uma triagem metabolómica final, o açúcar é usado pela comunidade microbiana presente na comida e é convertido nesses belos metabólitos que estão prontos para serem colhidos por nós para próximos estudos.”
Nos estudos que se seguirão, Ramya planeia submeter os melhores alimentos fermentados a testes rigorosos usando um cólon artificial e vários modelos animais para ver como esses metabólitos afetam o cérebro.