Depois de se mudar para o Reino Unido, onde está a fazer o pós-doutoramento no Instituto de Neurociências e Psicologia da Universidade de Glasgow, a investigadora Joana Carvalheiro percebeu que o semáforo dos peões da passadeira junto à sua casa era problemático. Estava sempre vermelho quando chegava e demorava uma eternidade até mudar para verde, o que a fazia atrasar-se. Decidiu começar a tomar outro caminho, menos óbvio, evitando aquele sinal. Passou a despachar-se mais depressa.
A isso chama-se aprendizagem por reforço, que inclui a aprendizagem por punição – neste caso, ficar muito tempo parada – e a aprendizagem por recompensa – despachar-se mais rapidamente. “Aprendemos por tentativa e erro a partir das escolhas que fazemos”, explica a cientista de 35 anos. “Se uma ação nos leva a um resultado que é pior do que o esperado, tendemos a evitar essa escolha no futuro para minimizar o efeito negativo. Se nos leva a algo melhor do que esperamos, a recompensa vai aumentar a probabilidade de repetirmos a ação no futuro.”
É assim que aprendemos em circunstâncias normais. O que Joana Carvalheiro percebeu no seu trabalho de doutoramento em Psicologia Básica, que concluiu no ano passado, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho, é que o stresse agudo tem um impacto penalizador na nossa capacidade de aprendizagem por recompensa.
Stresse e recaídas
O interesse pelo tema surgiu-lhe durante o estágio, ao assistir a consultas de psicoterapia na área da toxicodependência. Percebeu que os eventos stressantes na vida dos utentes eram um importante fator de recaída, com um regresso aos consumos problemáticos. “Sabendo que os comportamentos aditivos estão muito associados a processos de aprendizagem por recompensa e punição, se o stresse leva a recaídas, significará isso que compromete o processo de aprendizagem?”
Investigação: Joana Carvalheiro percebeu que os acontecimentos stressantes na vida dos utentes eram um importante fator de recaída, com um regresso aos consumos problemáticos
É o que parece acontecer, sim. “Sabemos intuitivamente que fazemos escolhas diferentes quando estamos sob stresse. O que tentei perceber foi quais são os mecanismos básicos da aprendizagem por reforço que podem ser afetados pelo stresse agudo”, detalha.
Joana Carvalheiro constatou – primeiro através de estudos comportamentais em laboratório, depois com imagens de ressonância magnética funcional e, finalmente, em modelos matemáticos – que o nosso cérebro, nomeadamente uma região chamada córtex estriado, parece perder a capacidade de codificar adequadamente as recompensas quando está sob o efeito do stresse agudo. Em termos práticos, deixamos de ter a capacidade de perceber que determinado comportamento tem um efeito positivo, pelo que mais dificilmente vamos catalogá-lo como “bom” e repeti-lo no futuro.
É preciso precaução a extrapolar as conclusões obtidas em laboratório no estudo com 62 voluntários, mas a investigadora refere que há áreas nas quais estes resultados podem vir a ter impacto: em doenças como depressão, ansiedade e comportamentos aditivos, já que estão relacionadas com processos de aprendizagem por reforço mediados pelo stresse.
Fora de um contexto profissional, a investigadora defende que as conclusões do estudo também trazem uma mensagem que toda a gente pode tentar integrar na sua vida: tentar ser mais autoconsciente. “Termos presente que o stresse afeta a maneira como fazemos escolhas pode ajudar-nos a funcionar de forma menos automática. Basta perguntarmo-nos, a nós próprios, de forma explícita: o que é que eu esperava desta situação e o que é que eu obtive?”, remata.