A insegurança e o medo são atualmente dois conceitos que dificilmente se poderão dissociar quando falamos das taxas de criminalidade que têm vindo a aumentar, principalmente nos grandes centros urbanos.
O risco de insegurança nesses locais, traduzido no sentimento de medo e da prática de crimes, que reflete uma falta de adesão ao sistema normativo da sociedade, constitui um fator inibidor da qualidade de vida, do qual decorrem fortes penalizações para a população, condicionando o modo como desenvolve a sua vida nas suas múltiplas vertentes.
Nesta perspetiva, teremos uma realidade tripartida, baseada no crescimento do medo, no crescimento do crime e na relação de causalidade entre estes dois fenómenos – a insegurança e a criminalidade.
Podemos partir do princípio de que a ocorrência de delitos nos centros urbanos estará relacionada com a oportunidade da ação praticada. A oportunidade decorre do confronto entre o delinquente e o alvo, ou a vítima, numa situação de maior vulnerabilidade desta última.
Nesta dinâmica, a ausência de sinais de vigilância nas vertentes ativa ou passiva facilitará a ocorrência de delitos.
Embora uma parcela significativa da delinquência, com incidência no espaço urbano, possa ser inserida no quadro da pequena criminalidade de rua, ou do delito de oportunidade, o seu efeito sobre a tranquilidade dos cidadãos potencia e favorece a emergência do medo.
Este sentimento de insegurança resulta numa cada vez maior desconfiança e tende a desenvolver respostas defensivas por parte da população, que não só interferem nas formas de interação e de convivência social, como irão condicionar o modo como o espaço urbano é fruído e a quotidianidade exercida.
De facto, o desenvolvimento de grandes concentrações urbanas e a diluição dos limites que configuravam a cidade tradicional comportaram uma modificação na perceção do medo.
As grandes cidades modernas e sobretudo as cidades satélite comportam um determinado tipo de fisionomia que pode ser observado em vários países tais como a Alemanha, a França, a Itália, a Suíça e em Portugal, com as devidas adaptações, residindo maior diferença no elemento quantitativo.
O anonimato criado por uma normalização excessiva propaga-se por todos os espaços habitados. Esta situação acaba por criar no cidadão não um sentimento de segurança, mas sim de desconfiança e medo.
Para o efeito é necessário direcionar esforços quer para um policiamento mais visível e eficaz, de integração e proximidade com vista à proteção da população, quer para a criação de novos instrumentos jurídicos ou eliminação das principais fontes de risco.
Mais recentemente tem-se apontado os bairros sociais e as zonas de construção degradada (bairros de barracas), situados na periferia das grandes cidades, não só como foco de problemas económicos e urbanísticos, mas igualmente como um profundo problema social.
Estes locais são o produto de modelos de crescimento carregados de enormes distorções e desequilíbrios sendo alvo de etiquetagem como local “perigoso” que não conhecemos diretamente, mas tão-só através de relatos sintéticos, e de alguma forma grotescos, sob forma de estereótipo.
Porém, temos que ter presente que não é possível estabelecer uma relação estatística significativa entre as ocorrências conhecidas e os perfis sociológicos dos intervenientes sociais envolvidos nas práticas delituosas. É, contudo, mais fácil caracterizar os perfis das vítimas da insegurança urbana.
Convirá ter-se em linha de conta que, em rankings internacionais, os medos dos portugueses, os crimes que ocorrem nas nossas cidades e a criminalidade geral do nosso País, são indicadores que aparecem razoavelmente bem posicionados. Acresce ainda que o problema social da insegurança urbana persiste nas sondagens de opinião e não deixa de ser igualmente um problema social em Portugal.
A insegurança tem uma materialidade e uma subjetividade que se influenciam mutuamente. Quer isto dizer que se alimenta do medo que impregna essa representação social do meio e esta encontra na ilicitude e na incivilidade as suas fontes de alimentação.
O conceito de liberdade que conhecíamos, e com o qual nos identificávamos, está a mudar, tornando muitos espaços públicos não em locais de passeio ou lazer, mas em bolsas de insegurança e de receio do crime.
Por outro lado, para além da falência das estruturas do Estado e da governação, assistimos hoje em dia a um cada vez mais difuso mecanismo de controlo social e comunitário, com consequente diminuição da pressão normativa sobre os comportamentos.
Podemos mesmo falar de uma acentuada falha dos sistemas de controlo, formal e informal, como resultado de estilos de vida atuais direcionados para o materialismo, consumismo e mediatismo, potenciados pelas redes sociais. Vivemos também uma evidente ausência de identificação, patente no seio das famílias, com ausência parental no acompanhamento da educação dos filhos.
Nesta dinâmica, parece-nos que uma maior eficácia e visibilidade do sistema judicial, numa linha de atuação que permita devolver a confiança ao cidadão, contribuirá sobremaneira para uma maior sensibilização da comunidade delinquente no tocante a um efeito preventivamente dissuasor da eventual futura prática de ilícitos criminais.
Numa melhor Justiça resultará certamente uma melhor coesão e controlo social.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.