Se aprendemos alguma coisa com a Covid-19 foi que prevenir é sempre melhor do que remediar. Os especialistas em Saúde Pública não têm dúvidas que novas pandemias virão e que uma boa preparação contra o “inimigo” poderá mudar as regras do jogo a nosso favor.
E já têm, inclusive, os radares apontados para um vírus que, a tornar-se pandémico, pode ser muito mais perigoso que o SARS-CoV-2: o H5N1. Banalmente conhecido como gripe das aves, o H5N1, desde que em 2003 começou a infetar humanos, provou ter uma “altíssima taxa de mortalidade”, nas palavras de Henrique Lopes, da Associação de Escolas de Saúde Pública da Região Europeia.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 53% das 868 pessoas infetadas entre janeiro de 2003 e novembro de 2023 acabaram por morrer. E “ainda falta contabilizar um surto na Sibéria, o que faz com que haja fontes que falem numa mortalidade de 56% e até 59 por cento, o que é brutal”, sublinha o especialista.
E, apesar de até agora o H5N1 não ter sido “capaz de ter as mutações certas para poder ser transmissível entre pessoas” (a maioria das infeções ocorreram por contacto com excrementos ou carcaças de aves infetadas), as coisas parecem estar mudar. A “fazer acender todos os alarmes” foi um surto registado numa criação de visons, em Espanha, em outubro de 2022.
Uma linhagem mutada de H5N1 não só infetou os animais como passou de uns para os outros, algo inédito em mamíferos. O problema, explica Henrique Lopes, é que o vison tem os mesmos vírus respiratórios que os humanos, incluindo os vírus tradicionais da gripe.
“Há um risco brutal se o H5N1 chegar às células de um vison que já tem um vírus da gripe com mutações suficientes para ser transmitido de uma pessoa para a outra. Essa capacidade pode ser transmitida ao H5N1”. Ou seja, “o potencial pandémico está lá” e num dos animais “mais perigosos que podem existir para a transmissão viral respiratória”.
Henrique Lopes refere porém que, se o vírus começar a transmitir-se entre humanos, “evidentemente a taxa de mortalidade cairá a pique”, de outra forma este não conseguiria transmitir-se. Mas “mesmo que caia 90% e fiquemos com 6% de mortalidade, é absolutamente brutal, muito pior do que a Covid”.
Apesar de tudo, e ainda que “a nível teórico” Henrique Lopes confesse ter mais medo deste vírus do que teve do início da Covid, o especialista frisa que “ainda é tudo muito especulativo e não vale a pena ser alarmista”.
Há vacinas, mas só em caso de pandemia
A vacina tradicional contra a gripe não previne a gripe aviária, mas existem vacinas contra a pandemia H5N1 aprovadas pela Food and Drug Administration e pela Agência Europeia do Medicamento, que podem ser disponibilizadas se forem consideradas necessárias pelas autoridades de saúde.
Porém, não é possível preparar uma vacina para uma pandemia futura, uma vez que não se conhece antecipadamente a estirpe do vírus da gripe pandémica . Ou seja, tratando-se de um vírus em mutação, caso venham a ser necessárias, Henrique Lopes explica que as vacinas terão de ser ajustadas à estirpe em circulação na altura.
Também pouco se sabe quanto à eficácia que estas vacinas poderão vir a ter. Até porque é preciso não esquecer que, ao contrário do que acontece com as vacinas contra a Covid-19, as vacinas da gripe, “mesmo as melhores e depois de terem passado 60 anos desde a primeira inoculação, estão longe de ter uma eficácia perto de 100%”.
Mais uma vez, prevenir é melhor que remediar. Para manter a situação controlada, a OMS e as autoridades de Saúde Pública têm redes de vigilância e monitorização da gripe. Se, quando começaram a surgir relatos de mamíferos infetados com H5N1, estes grupos ficaram atentos, perante a transmissão entre visons, Henrique Lopes refere que se entrou na fase “de fazer a preparação que não foi feita para a Covid”.
“Do ponto de vista da Saúde Pública, os olhares estão muito mais focados neste vírus gripal do que na própria Covid”, revela o especialista.