Um relatório publicado em janeiro deste ano pelo Portal da Construção Sustentável (PCS) concluiu que 88% dos portugueses não se sentem confortáveis dentro das suas casas devido ao frio ou ao calor. O mesmo documento, que se baseou em inquéritos, demonstrou que as pessoas que conseguiam manter a casa a uma temperatura considerada agradável pagavam uma fatura energética muito mais alta, de até mais 50 por cento. O relatório do PCS referiu ainda que 15% dos inquiridos tinham alguém em casa com problemas de saúde que decorriam da falta de condições térmicas.
Já este mês, depois de quase um ano de agravamento de uma crise energética sem precedentes, muito acentuada pelo conflito armado na Ucrânia, a Comissão Europeia anunciou que Portugal é o quinto país da União Europeia (UE) em maior risco de pobreza energética, apontando que as medidas do governo para apoiar famílias pesam 2,1% no PIB este ano. “É possível quantificar o efeito do aumento dos preços da energia e do consumidor sobre a pobreza energética, que é definida como uma situação em que as famílias não têm acesso aos serviços energéticos essenciais”, estando previsto um “aumento da pobreza energética como resultado do aumento do custo de vida”, lê-se no documento da Comissão Europeia.
Os aumentos de preços do gás natural e da eletricidade para os clientes domésticos em Portugal, nos mercados regulado e liberalizado, entraram em vigor no início de outubro e isto, para algumas famílias, vai significar o aumento de quase mais 40 euros na sua fatura mensal.
A crise energética que o País vive – e que se estende à Europa e ao mundo – fez com que o governo anunciasse, no fim de setembro, um plano de poupança de energia a ser implementado nos meses seguintes. Já na última semana, o presidente do Eurogrupo, Paschal Donohoe, referiu que as medidas orçamentais relativas à crise energética ascendem a 200 mil milhões de euros na zona euro.
Estima-se que 36 milhões de pessoas na Europa não conseguiram manter suas casas adequadamente aquecidas em 2020, de acordo com um documento publicado em julho deste ano pelo Parlamento Europeu. E apesar de o problema estar a ser mais intenso na Europa, espalha-se para o mundo.
Maior risco de AVC, infeções respiratórias e depressão
A Agência Internacional de Energia (AIE) já referiu que o mundo está a enfrentar a sua primeira crise energética global e este cenário negro vai obrigar cada vez mais pessoas com rendimentos inferiores a fazerem escolhas difíceis sobre se ligam ou não os aquecedores ou aquecimentos em casa este inverno. E isto pode ter consequências para a saúde, principalmente dos grupos mais vulneráveis, como os idosos e as crianças, dizem os especialistas.
Investigações e pesquisas científicas são muito claras relativamente aos efeitos negativos, a curto e longo prazo, de deixarmos as casas frias com temperaturas baixas lá fora. Um estudo de 2016, publicado no Journal of Stroke and Cerebrovascular Diseases, analisou cerca de 170 mil internamentos nos EUA por acidente vascular cerebral e descobriu que ocorreram com mais frequência quando as temperaturas médias eram mais frias e também em momentos em que flutuaram significativamente.
No ano anterior, um estudo conduzido por investigadores alemães, e publicado no European Journal of Epidemiology, deu conta de que, para cada descida de 2,9 graus Celsius na temperatura em 24 horas, os derrames aumentaram 11 por cento. Para pessoas de risco, essa taxa foi ainda mais alta.
Já um estudo de 2018, que analisou cerca de 56 mil mortes por acidente vascular cerebral ao longo de uma década, em São Paulo, no Brasil, também descobriu que a descida das temperaturas pode aumentar o número de mortes por esta causa, principalmente entre pessoas com mais de 65 anos.
Quando as temperaturas descem, os vasos sanguíneos ficam mais finos, o que aumenta a pressão arterial, dificultando a circulação. Além disso, o sangue torna-se mais espesso, em parte devido a um aumento nos níveis de uma proteína sanguínea chamada fibrinogénio, produzida pelo fígado, que desempenha um papel importante na coagulação do sangue. Uma consequência possível dessas alterações é o desenvolvimento de um AVC ou de um ataque cardíaco.
Viver em casas frias também aumenta o risco de desenvolver infeções respiratórias e de sofrer quedas ou outras lesões devido a uma redução da força e da destreza perante baixas temperaturas e a uma redução da mobilidade em idosos, por exemplo, por haver necessidade de ter mais camadas de roupa vestidas.
À BBC, Dame Margaret Whitehead, professora de Saúde Pública na Universidade de Liverpool, no Reino Unido, explica que as baixas temperaturas afetam o próprio funcionamento do corpo. E refere que doentes com cancro e artrite, por exemplo, são particularmente sensíveis ao frio, assim como pessoas com dor crónica, em que os sintomas pioram consideravelmente se forem expostas a ambientes frios.
Mas não é só fisicamente que existe maior propensão a haver problemas em temperaturas mais baixas. Um estudo, publicado em outubro deste ano e que usou dados de uma amostra representativa de adultos no Reino Unido, concluiu que viver numa casa fria afeta significativamente a saúde mental, de várias maneiras.
De acordo com os investigadores, que acompanharam pessoas ao longo de vários anos e rastrearam os efeitos de ser incapaz de manter a sua casa aquecida, para muitas, os elevados custos necessários para aquecer uma casa tornam-se uma fonte de stress, porque cria-se a sensação de não há autonomia nem controlo financeiro. Além disso, estas pessoas tendem a isolar-se e deixam de convidar amigos para visitarem as suas casas, por estarem mais frias.
“Para pessoas que anteriormente não tinham problemas de saúde mental, as hipóteses de sofrimento mental grave duplicaram quando tinham uma casa fria, enquanto para aqueles que apresentavam alguns (mas não graves) sintomas de saúde mental, o risco triplicou. Encontrámos esses efeitos mesmo depois de termos em consideração muitos outros fatores associados à saúde mental”, escreveram os investigadores.