As conclusões do estudo, publicado esta semana na revista da especialidade PNAS, foram hoje divulgadas em comunicado pelo IGC e abrem caminho para novos tratamentos que “poderão travar os danos no cérebro em fases iniciais da doença e evitar sequelas neurológicas”.
A malária cerebral é uma complicação particularmente grave da infeção por ‘Plasmodium falciparum’, o mais letal dos cinco parasitas que provocam a malária.
Esta forma da doença, que se manifesta por febre alta, dor de cabeça, sonolência, delírio, confusão, convulsões e coma, afeta principalmente, segundo o IGC, crianças com menos de cinco anos e é uma das suas principais causas de morte na África Subsariana.
As crianças que sobrevivem “são frequentemente afetadas por sequelas neurológicas debilitantes, como falta de coordenação motora e paralisia, e alterações na fala, audição e visão”.
O estudo feito pelo IGC – em colaboração com outras instituições, nacionais e estrangeiras – concluiu que as células endoteliais (que revestem o interior dos vasos sanguíneos) do cérebro são “capazes de sentir a infeção” pelo parasita ‘Plasmodium falciparum’ numa fase muito precoce.
Estas células detetam a infeção através de um sensor localizado no seu interior que desencadeia “uma cascata de eventos”, começando pela produção de uma molécula, de nome ‘interferão-ß’.
Em seguida, as células endoteliais do cérebro, que formam uma barreira entre o sangue e o cérebro, “libertam uma molécula sinalizadora que atrai células do sistema imunitário para o cérebro”, iniciando o processo inflamatório de resposta à infeção pelo ‘Plasmodium falciparum’.
“A malária cerebral resulta de uma resposta inflamatória exagerada à infeção que conduz a alterações significativas nesta barreira e, consequentemente, a complicações neurológicas”, assinala o comunicado do IGC.
No estudo, os investigadores usaram ratinhos que mimetizavam vários sintomas da malária cerebral humana e, quando eliminaram o sensor das células endoteliais do cérebro, por meio de edição genética, verificaram que os roedores “não desenvolviam sintomas tão agressivos nem morriam tanto da infeção”.
Os cientistas descobriram, ainda, que uma molécula resultante da atividade no sangue do parasita ‘Plasmodium falciparum’, chamada ‘heme’, ativa o sensor e a produção de ‘interferão-ß’ nas células endoteliais em resposta à infeção.
O IGC explica que, uma vez na circulação sanguínea, o parasita, que se transmite através da picada do mosquito ‘Anopheles’, invade os glóbulos vermelhos do hospedeiro, onde se multiplica, digerindo a hemoglobina, uma proteína que transporta oxigénio, para obter nutrientes.
Durante este processo forma-se a molécula ‘heme’, que “pode ser transportada na corrente sanguínea no interior de partículas que são absorvidas pelas células endoteliais”, funcionando como “um alarme para o sistema imunitário”.
O próximo passo da investigação será tentar inibir com um fármaco a atividade do sensor que existe no interior das células endoteliais do cérebro.
“Se usássemos inibidores do sensor em paralelo com os antiparasitários, talvez conseguíssemos evitar a perda de função de neurónios [células cerebrais] e as sequelas neurológicas, que são um grande problema para as crianças que sobrevivem à malária cerebral”, afirmou, citado no comunicado do Instituto Gulbenkian de Ciência, o imunologista Carlos Penha-Gonçalves, líder da equipa do IGC que conduziu o estudo e atualmente também coordenador do plano de vacinação contra a covid-19.
ER // JMR