Tinha tantos complexos por pesar 120 quilos que eu nem conseguia olhar-me ao espelho. Nunca gostei do meu corpo e sentia-me horrível”, desabafa Luana Anjos, 17 anos, que em pouco mais de dois meses já perdeu 20 quilos, depois de ter sido submetida a uma cirurgia bariátrica no Hospital de São João, no Porto.
“A obesidade é um estado pró-inflamatório, e o tempo de exposição a esta inflamação é um fator de risco muito importante no desenvolvimento de uma série de complicações”, começa por alertar Susana Corujeira, médica pediátrica da consulta de obesidade infantil no Hospital de São João. Entre as complicações estão “o risco de intolerância à glicose e diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, como hipertensão, dislipidemia, ou problemas respiratórios, com aumento do risco de asma e de síndrome da apneia obstrutiva do sono”, descreve. O refluxo gastroesofágico e os danos ortopédicos também fazem parte da lista, além dos problemas psicossociais, e avisa: “Como têm um risco muito aumentado de baixa autoestima, estes doentes são mais frequentemente vítimas de bullying com quadros de isolamento e de depressão.”
No caso de Luana, foram anos de “sofrimento por ser gordinha”. Viria a descobrir, mais tarde, que o problema poderia ser hereditário. A pediatra Susana Corujeira confirma, pois “mais de metade dos casos são filhos de pais obesos”.
Quando, numa consulta, um médico a aconselhou a fazer a cirurgia, a jovem nem pensou duas vezes. “A minha mãe perguntou-me se eu queria mesmo. Respondi logo com prontidão: ‘Quero muito’.” Mas não é uma decisão tomada de ânimo leve. Primeiro, Luana teve de ser seguida em várias especialidades, desde a nutrição até à psicologia, e realizar vários exames para os médicos terem a certeza de que estava tudo bem com a sua saúde. “Já tinha diabetes e nem sabia”, lamenta.
“A obesidade em idade pediátrica é avaliada em função do índice de massa corporal, tal como nos adultos. Utilizamos curvas de percentis de acordo com o sexo e a idade da criança”, descreve a pediatra, ou seja, “quando estamos igual ou acima do percentil 95, então estamos perante uma obesidade”, elucida.
Já o excesso de peso, resume, “é quando o índice de massa corporal se situa entre o percentil 85 e o percentil 95, para o sexo e para a idade”. Susana Corujeira avisa, contudo, que a “cirurgia bariátrica é um tratamento de fim de linha de obesidade grave, que é realizada em adolescentes a partir dos 16 anos, quando se tem índices de massa corporal acima dos 35 kg/m2, com comorbilidades metabólicas significativas”, isto é, “em doentes que têm hipertensão, diabetes, síndrome de apneia obstrutiva do sono ou outras complicações”, ou então, prossegue, “quando já têm índices de massa corporal acima dos 40 kg/m2”.
A nova vida de Luana
De acordo com o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), 29,7% das crianças portuguesas apresentam excesso de peso e 11,9% são obesas. Os números são obtidos com base num sistema de vigilância referente às crianças no 1º Ciclo do Ensino Básico, residentes em Portugal, em 2019, dos 6 aos 8 anos.
Ainda assim, as notícias são boas. “Entre 2008 e 2019, verificou-se uma redução de 8,2 pontos percentuais na prevalência de excesso de peso infantil (37,9% para 29,7%) e de 3,4% na obesidade infantil (15,3% para 11,9%), permitindo a Portugal passar do segundo país europeu com maior prevalência de excesso de peso infantil para o décimo quarto”, descreve o INSA.
Finalmente chegou o dia em que Luana foi ao bloco operatório e o cirurgião lhe “retirou uma parte significativa do estômago e ficou como se fosse uma manga comprimida”, descreve a médica pediátrica, advertindo, porém, que não é a mesma coisa do que banda gástrica. Mais, continua Susana Corujeira: “Esta cirurgia recorre a uma técnica por via laparoscópica, ou seja, fazem-se umas aberturas na cavidade abdominal.” No final, resume, “vai contribuir para a diminuição da ingestão e para a perda de peso”, que é o que está a acontecer a Luana desde que, em novembro, foi submetida à cirurgia.
Susana Corujeira adianta que “a recuperação do pós-operatório é muito rápida, “mas esta implica um plano nutricional muito rigoroso que tem de ser devidamente supervisionado e cumprido, sobretudo nas primeiras semanas após a cirurgia”.
Logo no primeiro mês, só bebeu líquidos. Agora, já segue à risca outro plano nutricional. “Ao pequeno-almoço, como meio pão e bebo 120 mililitros de leite magro; a meio da manhã, como uma peça de fruta. Depois posso almoçar, por exemplo, puré com bife de frango ou três colheres de sopa de arroz malandro”, exemplifica. “Não posso comer nem salmão nem tamboril, porque são peixes gordos”, realça, acrescentando que, ao lanche, bebe um Compal essencial e come meio pão de mistura simples ou três bolachas Maria. “Depois, janto 150 mililitros de sopa e ceio 120 mililitros de leite magro ou 120 gramas de iogurte magro de aroma. Não fico com fome nenhuma”, garante.
Luana espera vir a ter uma qualidade de vida muito melhor depois desta cirurgia, com uma alimentação equilibrada e a prática de exercício físico. “Não tenho a tentação de comer batatas fritas ou chocolates, por exemplo, porque estou com muito motivada a chegar aos 70 quilos, que é o ideal para a minha altura, segundo os médicos.” Agora, é viver um dia de cada vez.
Quando a alergia ataca
“É terrível assistir ao sofrimento de um filho de tão doente que ele fica por ter alergias ao trigo, à proteína do leite de vaca, ao ananás e ao kiwi”, desabafa Cristina Torres, mãe de Afonso. A última vez que o filho, agora com 9 anos, teve uma reação alérgica foi quando, no Natal, provou um bolo-rei sem glúten que a mãe julgava não ter trigo. “Comeu um bocadinho, começou a ficar branco e a queixar-se de que estava a sentir-se mal e a vomitar”, lembra.
Todos os dias contam como pequenas vitórias. É isto que acontece com Guilherme, 15 anos, que foi diagnosticado aos 7 com doença celíaca, ainda que “já tivesse alguns sintomas, como diarreia e dores abdominais, há algum tempo”, recorda a mãe Susana Tavares. Não pode comer nenhum alimento com glúten. “A adaptação não foi difícil, ele ainda era muito pequeno. Tive de substituir o trigo, centeio, cevada e alguma aveia por milho e arroz”, descreve Guilherme, com toda a naturalidade do mundo de tão acostumado que está.
“A doença celíaca é considerada autoimune, sistémica, e é provocada pela exposição ao glúten, em indivíduos que têm uma suscetibilidade genética”, nota Eunice Trindade, diretora do Serviço de Pediatria e responsável pela unidade de gastrenterologia pediátrica do Hospital de São João. “É uma doença muito prevalecente e que atingirá cerca de 1% da população mundial”, sublinha.
Afonso e Guilherme têm de ter o máximo de cuidado com a alimentação. Há já alguns anos que as mães se acostumaram a decifrar ao pormenor os rótulos de todos os alimentos que compram, para evitar que aconteça o pior. “Em Portugal, temos uma incidência estimada de alergia alimentar entre 5% e 7%, e os alimentos que mais frequentemente a provocam, em idade pediátrica, são o ovo, o leite e o trigo”, nota a médica Sylvia Jacob, da área de alergologia pediátrica do Hospital de São João.
“É frequente 50% a 60% de crianças adquirirem naturalmente a tolerância ao alimento a que foram alérgicos entre os 3 e os 5 anos, como ao ovo, leite e trigo”, nota a médica. “Por volta dos 9-10 anos, começa a haver uma diminuição dos casos de alergia ao leite, ao ovo e ao trigo, e passa a verificar-se um aumento de alergia ao peixe, marisco e frutos secos”, alerta.
No caso do Afonso, o menino deixou de ser alérgico ao ovo, mas continuou a sê-lo às proteínas do leite de vaca, ao trigo e a alguns peixes. Só pode comer polvo, pota, atum, salmão e bacalhau. Há já quatro anos que está a fazer um processo de dessensibilização ao leite. É-lhe administrada uma dose do alimento, no Hospital de São João, por forma a “provocar o sistema imunitário para que este deixe de reagir”, explica a pediatra Sylvia Jacob.
“No hospital de dia, começámos com uma dose baixa de leite – 7,1 mililitros – e ele não reagiu. Então, teve de fazer essa mesma quantidade todos os dias, em casa. Duas ou três semanas depois, regressou ao hospital, e aumentámos a dose para 7,2 mililitros. Agora, já tolera 55 mililitros de leite, o que corresponde a uma chávena de café cheia”, diz a mãe Cristina Torres.
Como comer bem
Cuidado com o açúcar e com o tamanho das doses
Entre as recomendações alimentares mais importantes na idade pediátrica estão as que aconselham a que se evitem alimentos hipercalóricos, processados, ricos em gordura saturada e açúcar. “Falamos de alimentos como bolachas, bolos ou croissants, panquecas, pizzas, hambúrgueres ou batatas fritas”, enumera Susana Corujeira. O que não quer dizer que uma criança ou adolescente não possa comer estes alimentos, de vez em quando. A pediatra afirma que “não faz sentido proibir determinados alimentos nem usarmos a palavra dieta. As crianças podem comer de tudo, mas com moderação”. Também se deve evitar as bebidas açucaradas, como os refrigerantes. O ideal é mesmo beber água às refeições.
O aumento do consumo de fruta e de legumes, em detrimento dos ditos alimentos processados, é outro dos conselhos da médica. A sopa é a forma mais simples de se introduzir os legumes, se não houver o hábito de comer as leguminosas com a massa ou arroz, por exemplo. Também a fruta deve ser a única opção de sobremesa, em detrimento de doces, bolos, gelados, pudins de chocolate, aconselha. A médica alerta ainda para outra questão importante relacionada com a limitação das porções de alimentos, numa refeição. “Não podemos ter uma criança de 10 anos a comer, numa refeição principal, a mesma quantidade da mãe ou do pai. Tem de haver proporções adequadas à idade.”
O drama da contaminação
A médica Sylvia Jacob divide as alergias alimentares em três grandes grupos.“O primeiro é a chamada IgE mediada, em que, após a ingestão do alimento a que são alérgicos, os doentes começam, passados alguns minutos, com manifestações imediatas, como manchas na pele, falta de ar, vómitos e diarreia.” Também podem desenvolver uma urticária generalizada, ficar com olhos, orelhas ou lábios inchados, e desenvolver uma anafilaxia. Nesses casos, pode ser preciso administrar-lhes a caneta de adrenalina que tem de andar sempre com eles.
Depois existe a alergia não IgE mediada, que são manifestações mais tardias, ou seja: “a criança começa com vómitos, sem parar, uma ou duas horas depois da ingestão do alergénico”. Por fim, remata, “temos uma alergia mista, da qual também faz parte a dermatite atópica, por exemplo, e em que sabemos que podem ou não existir alimentos que agravam” este problema de pele. Avisa, contudo, que podemos desenvolver uma alergia alimentar em qualquer momento da nossa vida.
Os pais de Afonso correram vários médicos até o filho ser diagnosticado. Chegaram a dizer-lhes que as borbulhas e os eczemas no corpo se deviam à dermatite atópica. “O menino continuava a piorar e tomava cortisona em gotas”, recorda a mãe. “Quando tinha 7 meses, um imunoalergologista foi o salvador do Afonso, porque lhe diagnosticou as alergias alimentares e pediu exames”, lembra.
Foi depois encaminhado para o Hospital de São João, onde ainda hoje é seguido em consultas de rotina semestrais e onde, todos os meses, faz a prova do leite. “Quando ficar livre, vamos começar outra luta que será a prova do trigo e dos peixes”, afirma Cristina Torres. Ainda assim, a mãe carrega o coração nas mãos sempre que o filho vai para a escola, com receio de que ele coma algum alimento a que é alérgico. “Por exemplo, o fiambre tem leite e muitas pessoas não sabem.”
A mãe de Guilherme, por exemplo, costumava levar uma fatia de bolo sem glúten para essas festas, por forma a evitar maiores riscos. “Tirámos todo o glúten da alimentação de casa. Só que o grande problema era garantir que não havia as contaminações de outros alimentos, quando ele comesse fora”, refere a mãe.
Segundo a diretora do Serviço de Pediatria e responsável pela unidade gastrenterologia pediátrica do Hospital de São João, “esta doença também está associada a diabetes tipo 1, a alterações da tiroide e à infertilidade”. Contudo, nunca se diagnostica antes dos 6 meses. “O quadro típico são meninos muito irritados, que aumentam mal de peso, têm diarreia, a barriga muito distendida, perda de massa muscular nas pernas e na região nadegueira e, muitas vezes, atraso de crescimento”, descreve. Adverte ainda que, “à medida que a idade vai avançado, muitas vezes são adultos que têm sintomas digestivos inespecíficos a que ninguém consegue dar resposta”. Podem apresentar problemas de osteoporose ou de infertilidade.
Leite de vaca: sim ou não?
“Aconselho o leite de vaca. Primeiro, o leite adaptado, a partir dos 5-6 meses, e leite de vaca em pacote só provavelmente a partir dos 2 anos”, defende Sylvia Jacob, pediatra no Hospital São João, na área de alergologia pediátrica. Considera que, “ao nível nutricional, o leite de vaca é melhor do que os outros”. Eunice Trindade, diretora do Serviço de Pediatria e responsável pela unidade de gastrenterologia pediátrica do Hospital de São João, é da mesma opinião de que se pode dar leite de vaca, mesmo na doença celíaca. “Dão-se fórmulas adaptadas às crianças, que se vendem em lata e são recomendadas até aos 2-3 anos.” Depois, continua Eunice Trindade, “pode-se dar leite, com bom senso e nas quantidades adequadas, o que é menos de meio litro por dia, durante a primeira infância”. Mas quando os meninos não podem beber leite, porque, por exemplo, são alérgicos à proteína do leite de vaca, há outras soluções, como bebidas de soja ou de arroz. “Não ficam com falta de cálcio, porque, se fizerem uma alimentação diversificada, é possível compensar com o peixe, a carne e os legumes”, conclui a pediatra.
Conheça cinco regras sobre a dieta nas crianças. Iniciar uma dieta nas crianças pode ser necessário a partir dos 3 anos, mas é preciso ter cuidados especiais. No vídeo, a nutricionista pediátrica Inês Tomada dá algumas orientações: