Desde muito que se equaciona que a nanorobótica poderá ter aplicações práticas na medicina, nomeadamente em alguns processos que necessitem de um grau de precisão muitas vezes fora do alcance das capacidades humanas e dos medicamentos convencionais. Um novo estudo co-liderado por Samuel Sánchez, do Instituto de Bioengenharia da Catalunha, e César de la Fuente, da Universidade de Pensilvânia, nos EUA, parece comprovar precisamente essa esperança.
No estudo, os investigadores utilizaram nanorobôs com uma base de dióxido de sílicio, um material também conhecido por sílica, para curar infeções resultantes de feridas abertas em ratos. No futuro, os especialistas acreditam que a tecnologia aplicada possa eventualmente servir para fabricar robôs capazes de transportar antibióticos ou medicamentos contra o cancro pelos fluidos viscosos do corpo humano e combater mais eficazmente as infeções bacterianas.
Face aos antibióticos convencionais, os nanorobôs testados por Sanchéz e César de la Fuente têm a vantagem de se poderem movimentar de uma forma mais livre e deliberada, permitindo ao antibiótico que transportam alcançar bactérias menos acessíveis. Regra geral, através de um processo chamado difusão, o efeito dos antibióticos começa a fazer-se sentir à medida que o medicamento percorre os fluídos corporais, nomeadamente a corrente sanguínea. Problema: é impossível controlar ou orientar esta deslocação, e habitualmente os fármacos não conseguem atingir todos os germes.
Daí os nanorobôs serem tão promissores, garantem os autores do estudo. De modo a precipitar esse movimento fundamental, os investigadores depositam na base de cada robô uma enzima chamada urease, que transforma a ureia presente no corpo humano em amoníaco e dióxido de carbono. A reação química resultante, entre a urease e a ureia, liberta energia mecânica em quantidade suficiente para gerar o movimento dos robôs. Sanchéz e César de la Fuente comparam todo o processo ao funcionamento de um carro, simplificando a explicação das transformações biológicas: a sílica é o chassis, a urease o motor, e a ureia o combustível.
Este mecanismo permite ainda aos nanorobôs atravessar os fluidos do corpo humano com um grau elevado de viscosidade, permitindo tratar as infeções que se alojem nessas áreas. “Em lugares onde a viscosidade é alta ou a difusão é muito baixa, é preciso haver movimento” explica Sánchez. “Se não houver movimento ou propulsão, nunca se vai passar do ponto A para o B.”
Por isso mesmo, embora não se antecipe que este método irá substituir os antibióticos tradicionais num futuro próximo, especialmente devido ao custo do procedimento, o potencial é inegável.
“Vemos que toda a ferida foi percorrida. As máquinas podem realmente viajar ao redor da ferida e limpar a infeção pelo caminho”, disse César de la Fuente perante os resultados do estudo. “Quando vimos que a infeção foi resolvida, ficou provado. Estou convencido de que isto tem futuro, especialmente enquanto pensamos em formas mais eficazes de resolver infeções”, continuou.
Douglas Dehl, chefe de oncologia na Mass General Brigham, uma rede de hospitais em Boston, nos EUA, prevê que esta “tecnologia fenomenal” possa ser aplicada para prevenir as infeções resultantes de transplantes de joelho ou anca, ao permitir aos robôs circundar com exatidão a área entre o implante e o tecido infetado.
Dahl defende ainda que uma outra aplicação medicinal passa por desenvolver tratamentos para as pedras nos rins. Devido à composição biológica dessa região do corpo humano, as bactérias libertadas por esta condição encontram-se normalmente em fendas e brechas difíceis de alcançar. Nesse sentido, o oncologista argumenta que os medicamentos movidos a motor, tal como os nanorobôs testados neste estudo, podem ajudar os médicos a resolver este problema.