Conhecida também por “sal verde” a salicórnia é uma planta com aparência semelhante à dos espargos que cresce nas zonas costeiras de Portugal, nomeadamente áreas estuarias e sapais. As suas propriedades halófilas – capazes de a tornar tolerante à água salgada e de permitir o seu desenvolvimento em ambientes com elevadas concentrações de sais – conferem-lhe o paladar salgado pelo qual é hoje conhecida. Recentemente, tem ganho mais destaque no mercado nacional e já é bastante popular entre nutricionistas e médicos pelos seus múltiplos benefícios nutricionais dos quais se destacam os níveis reduzidos de sódio.
Ambientes com altas concentrações de sal são, geralmente, incompatíveis com o metabolismo das plantas, pelo que a salicórnia se assume como uma exceção. Capaz de absorver água e sais minerais pelas suas raízes, a salicórnia compartimenta dentro das suas células estes compostos “de modo a que o excesso de sal absorvido não danifique a própria célula. Desta forma, a salicórnia é uma planta de sabor salgado, porque acumula bastante sal do meio em que vive, mas sem colocar em causa o seu metabolismo”, explica à VISÃO João Loura, membro da produtora de salicórnia Horta dos Peixinhos que tem colaborado com o Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro na recuperação e ampliação do espaço da cultura de salicórnia.
A Universidade de Aveiro tem sido uma das instituições líder nas pesquisas sobre a salicórnia, nomeadamente por ser nesta cidade, concretamente na Ria de Aveiro, que se encontram grandes quantidades desta planta. Os estudos desenvolvidos pelos departamentos de Biologia e Química da universidade assinalam as “características antioxidantes” da salicórnia, “uma planta diurética e medicinal, rica em vitaminas e sais minerais com inúmeros benefícios que vão desde propriedades anticancerígenas à prevensão da hipertensão arterial, desempenhando também um papel importante no tratamento dos diabetes e da obesidade e contando com propriedades antimicrobianas e anti-inflamatórias”, explica.
Num esforço conjunto com a Qampo, uma empresa do Grupo Nabeiro que investiu num processo patenteado de secagem e embalamento de salicórnia, a Horta dos Peixinhos e a Universidade de Aveiro, têm trabalhado para levar a salicórnia das salinas até ao prato dos portugueses.
Inovar o que sempre existiu
“Inicialmente, era utilizada para desengordurar estofos e na indústria do sabão e do vidro. No século XVIII, era utilizada para o fabrico de soda por incineração. Durante a Segunda Guerra Mundial vendia-se como “espargo do mar” (conservada em gelo) e chegou a substituir o feijão-verde”, descreve o membro da Horta dos Peixinhos. “A nível terapêutico, esta planta é considerada um produto diurético e rico em vitamina C, explicando a sua utilização pelos marinheiros portugueses na luta contra o escorbuto”, acrescenta.
A salicórnia é consumida não só fresca e congelada, como também seca e em formato de tempero, acentuando, com isso, a sua versatilidade “excelente para temperar carne, peixe, marisco e saladas, podendo ser usada fresca (como acompanhamento) ou como especiaria”.
A sua utilização é simples, nomeadamente porque é tida como um substituto do sal e, portanto, pode ser utilizada de forma semelhante como, por exemplo, “espalhando o tempero uniformemente sobre o tofu, o seitan, a carne ou o pescado (equilibrando de ambos os lados e de maneira a cobrir de forma homogénea a superfície). Pode também ser utilizado em marinadas, estufados, caldeiradas e outros pratos de panela”, exemplifica em resposta à VISÃO a nutricionista Ana Bravo. A salicórnia assume-se, assim, como “uma excelente alternativa para diminuir a ingestão de sal, sem tirar o sabor às suas refeições”, acrescenta.
O papel salicórnia impedi-lo no combate ao consumo excessivo de sal
“Não apenas os portugueses, mas a maioria do mundo, ocidental particularmente, come praticamente o dobro da quantidade de sal que deveríamos comer de acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS)”, explica à VISÃO Fernando Pinto, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Hipertensão e Assistente Graduado Sénior de Cardiologia no Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga.
De acordo com o Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física, efetuado em 2017, a média diária de ingestão de sal portuguesa é de 7,3 gramas, quando a recomendação da OMS estipula um máximo de 5 gramas de sal por dia. A ingestão excessiva de sal surge diretamente associada a um conjunto vasto de complicações médicas, nomeadamente o “aumento da pressão arterial, provocando hipertensão, e o aumento na prevalência de um conjunto grande de doenças não apenas cardio e cerebrovasculares, mas também de outras patologias como é o caso do cancro de estômago”, expõe Fernando Pinto.
Ainda assim, de forma geral, “a relação do sal é mais marcada nas doenças cardio e cerebrovasculares como os enfartes do miocárdio ou os AVC que são a principal causa de morte em Portugal e a principal causa de doença e incapacidade”, acrescenta o Presidente da Mesa da Assembleia, frisando que “o consumo excessivo de sal rouba anos de vida e rouba qualidade de vida” e pode ser visto, dessa perspetiva, como um “veneno na nossa alimentação”.
O sal é constituído essencialmente por cloreto de sódio que, embora importante para o organismo, deve ser consumido em grande moderação, até porque “75% do sódio de que necessitamos existe nos próprios alimentos”, como reforça Ana Bravo. Ainda assim, e uma vez que “fomos habituados culturalmente” a preservar os alimentos em sal e a adicioná-lo aos pratos de forma a dar sabor, fomos “criando hábitos alimentares” que dependem em grande parte deste constituinte, explica Fernando Pinto. Dependência essa considerada pela nutricionista desnecessária dado que apenas precisamos “de adicionar uma pequena parte para completar as necessidades diárias do nosso organismo”.
Reduzir o consumo de sal tem, por isso, um conjunto diverso de benefícios: “reduz a incidência de hipertensão, isto é, quem não tem as tensões elevadas, se reduzir o consumo de sal, não chega a desenvolver hipertensão ou atrasa em anos não só o desenvolvimento da doença, como das suas consequências e, mesmo nos doentes que já tiveram enfartes, já tiveram um AVC ou aqueles que têm hipertensão, reduzir o consumo de sal contribui para a possibilidade de reduzir as complicações que surgem destas doenças”, explica o cardiologista.
A redução do consumo de sal deveria ser, por tudo isto, “um objetivo nacional e até mundial” não só porque “é saudável essa redução”, mas também porque “melhora a qualidade de vida e sobretudo aumenta a quantidade de vida com qualidade, com menos doença, com menos riscos e incapacidades que esta doença (hipertensão) muitas vezes causa”. É na procura por atingir este objetivo que a salicórnia pode ser uma importante aliada.
Fernando Pinto identifica a substituição “total ou parcial do sal por outros compostos que não tenham a percentagem tão elevada de coreto de sódio” como uma possível soluções ao seu consumo excessivo. Um destes compostos é, exatamente, a salicórnia, considerada pelo cardiologista “um excelente substituto” do sal.
“A salicórnia tem teor em sódio 75% mais baixo comparado ao sal comum, no entanto também confere um sabor salgado. Para que tenhamos uma ideia 100 gramas de sal fornecem 40 gramas de sódio, 100 gramas de salicórnia 9,2 gramas”, exemplifica José Sequeira, Business Unit Director do Grupo Nabeiro. Esta planta pode, por isso, “contribuir para a redução do consumo de sal em Portugal e a nível europeu” acrescenta.
Os benefícios não ficam por aqui. A salicórnia conta ainda com um “acréscimo de compostos bioativos (como são os esteróis e compostos fenólicos), ácidos gordos polinsaturados, fibras e minerais (como o ferro, potássio, cálcio) e vitaminas como as A, B e C”, descreve Ana Bravo. Além de que, e sendo que contém níveis de sódio significativamente mais reduzidos, não só pode “ser utilizada numa base diária”, como “podemos corrigir o tempero com alguma tranquilidade”, dado que o risco de ultrapassar o consumo máximo de sal estipulado não é tão grande.
“Ainda assim, relembro que na alimentação o equilíbrio é o mais importante e convém não esquecer que, apesar de ter uma menor quantidade de sódio do que o sal, a salicórnia também é uma fonte de sódio. Assim, usemo-la com moderação”, reforça a nutricionista.
A salicórnia germina entre maio e julho, altura em que é colhida, pelo que pode ser consumida fresca entre estes meses, embora esteja presente no mercado 365 dias por ano no seu formato desidratado ou, se criada em estufa, também fresca. Em Portugal, a salicórnia desidratada só há pouco se foi introduzindo no mercado nacional pelo que o primeiro passo é “dar a conhecer, mostrar as propriedades e ensinar como se utiliza”, algo que “leva tempo” até porque “o uso do sal tradicional é um hábito há muito enraizado na gastronomia portuguesa”, explica José Sequeira. Por exemplo, “quando cozinhamos massa colocamos o sal na água da cozedura. Com salicórnia não usamos sal, mas conferimos sabor salgado após a cozedura”. Ainda assim, e por agora, “o feedback que temos por parte do grande público é muito positivo”, garante.
O combate ao excesso de sal é uma batalha que dura há já muitos anos e que tem sido travada em várias frentes. Embora Portugal já conte com algumas vitórias como a redução do sal na confeção de pão e outros alimentos, nomeadamente alimentos processados como bolachas e enlatados, o consumo de sal ainda pode ser descrito como “excessivo” pelo que temos ainda “um longo caminho para percorrer”, frisa Fernando Pinto. A salicórnia “pode ser um contributo” nesta longa luta, sendo “um passo importante e recomendável para muitos doentes que têm problemas do foro da cardiologia, do foro da neurologia e particularmente para aqueles que não querem chegar a ter estas condições”.