O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido adicionou nove sintomas à sua lista até então constituída por apenas três: febre, tosse contínua e perda total ou parcial do olfato e/ou paladar. A atualização é feita num momento em que os testes gratuitos, até agora disponíveis, deixam de o ser para uma grande parte da população do país.
Os sintomas, agora 12 no total, passaram a incluir “falta de ar, cansaço inexplicável, falta de energia, dores musculares ou dores que não são o resultado de algum tipo de exercício, não querer comer ou não sentir fome, dor de cabeça incomum ou mais duradoura do que o habitual, dor de garganta, nariz entupido ou a escorrer, diarreia, sentir-se doente ou estar doente”.
Muitos destes sintomas já haviam sido reconhecidos e adicionados às listas da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA em Abril de 2020, há cerca de dois anos. A demora em atualizar a lista de sintomas no Reino Unido tem sido alvo de discussão e debate, nomeadamente sabendo que, já em 2020, vários médicos e especialistas organizaram uma campanha para que a lista fosse ampliada e têm, desde então, feito pressão sobre o governo nesse sentido.
De acordo com um estudo publicado em fevereiro do ano passado, a inclusão de outros sintomas como cansaço, dor de cabeça ou diarreia enquanto possíveis indicativos de uma infeção por Covid-19 poderia ter permitido que cerca de 96% dos casos assintomáticos não identificados o tivessem sido, uma estimativa que supera pelo menos em um terço os resultados obtidos quando considerados apenas os três clássicos sintomas.
Porquê agora?
Entre a pressão exercida para a atualização da lista de sintomas e a publicação de estudos que a sustentam, muitos especialistas levantaram a questão: porquê agora? Porque não atualizar a lista de sintomas há dois anos quando a OMS o fez?
“Sempre nos disseram que a barreira para expandir a lista era a sobrecarga da capacidade de testes que poderia resultar de serem adicionados mais sintomas, portanto, faz sentido que, como os testes gratuitos pararam agora, a lista tenha sido atualizada”, diz Tim Spector, investigador-chefe da app Zoe Covid para o estudo de sintomas e membro da campanha que tem incentivado desde 2020 a atualização da lista de sintomas, segundo o The Guardian.
Mais sintomas na lista de possíveis sinais indicativos de uma infeção por Covid-19 poderia significar que existiriam mais pessoas a poderem testar positivo e mais pessoas a recorrerem à testagem gratuita para confirmarem se estariam ou não infetadas, o que, consequentemente, poderia traduzir-se também numa sobrecarga da capacidade de testes.
Para Spector, a “recusa” do governo em reconhecer um “conjunto mais amplo de sintomas” constituía um contributo para o aumento das taxas de contágio nomeadamente tendo em conta que mais pessoas considerariam não estar infetadas sendo que não apresentavam nenhum dos sintomas tidos como oficiais pelo governo do Reino Unido.
Em resposta ao The Independent, o diretor de cuidados primários e saúde pública do Imperial College of London, Azeem Majeed, concordou que é “um pouco estranho que as mudanças estejam a ser feitas agora que a testagem gratuita deixou de estar disponível para a maioria das pessoas”. “Durante muito tempo vimos pacientes com sintomas diferentes daqueles que estavam no website do governo, estou surpreendido que tenha demorado tanto tempo a acontecer formalmente [a atualização da lista]”, disse ainda.
Nova variante, outros sintomas
De facto, e segundo o estudo desenvolvido por Spector, “o top cinco de sintomas reportados pelos participantes que apresentaram um teste positivo à Covid-19 são; pingo no nariz (83%); fadiga (71%); dor de garganta (69%); espirros (68%)”, explica o investigador-chefe. De acordo com Majeed, “o governo não publicou as suas razões” para ter feito agora a tão esperada extensão da lista, o que só contribui para que se considere que a decisão foi feita num “momento estranho”, nomeadamente tendo em conta que dados como os do estudo de Spector estavam disponíveis desde, pelo menos, o ano passado.
Outra das questões levantada pelos especialistas foca a ordem dada aos sintomas. A febre, tosse contínua e perda total ou parcial do olfato e/ou paladar continuam a ser considerados os mais frequentes sinais de infeção sendo que, na presença da variante Ómicron – a mais comum atualmente – sintomas como pingo no nariz, fadiga, dor de garganta e espirros foram identificados como os mais comuns, inclusive pelo estudo de Spector.
No site oficial do Serviço Nacional de Saúde inglês, todos os sintomas estão listados enquanto indicadores de “Infeções Respiratórias”, no entanto, na resposta à questão “Pode ser Coronavírus?”, que surge em destaque na mesma página, os sintomas nomeados são os mesmo três identificados antes da atualização.
O fim da testagem gratuita
Apesar de uma atualização tardia e da necessidade de um reordenamento dos sintomas, Spector não deixa de considerar que este é “definitivamente um passo na direção certa”, até porque “antes tarde do nunca”, acrescenta. Ainda assim, o investigador-chefe do estudo Zoe Covid, juntamente com outros especialistas, questiona-se sobre a utilidade desta atualização agora que os testes gratuitos deixaram de estar disponíveis.
“O problema é que nada disto ajuda muito se não pudermos testar para ter a certeza se temos Covid ou não”, explica o professor Stephen Reicher, psicólogo da Universidade de St Andrews e membro do agora extinto subcomité Sage com foco na ciência comportamental, ao The Guardian. “De fato, precisamente porque a Ómicron se apresenta mais como uma constipação, é mais importante do que nunca testar para ver o que significam os sintomas”, acrescenta.
Sem os testes gratuitos disponíveis os especialistas receiam que as pessoas não se mantenham isoladas na presença destes sintomas, exatamente por serem tão semelhantes aos de uma constipação ou gripe. Muitos trabalhadores não têm a possibilidade de pedir dias de folga, nomeadamente se sentirem sinais de uma doença que pode ser apenas uma constipação. Para Reicher a solução e óbvia: “restaurar os testes gratuitos, bem como restaurar ou estender o apoio ao auto-isolamento, para que as pessoas possam fazer a escolha certa se estiverem positivas à Covid”.
A atualização da lista é um dos passos no plano do governo inglês para viver com o vírus e foi efetuada apenas alguns dias depois da data de 1 de abril, quando os testes deixaram oficialmente de ser gratuitos para toda a população.
E Portugal?
No site oficial do Serviço Nacional de Saúde português, encontram-se enumerados apenas 10 dos 12 sintomas agora incluídos na lista do Reino Unido e dos 24 da OMS.
Dois desses sintomas são, no entanto, atribuídos apenas a infeções por Covid-19 em crianças, pelo que sintomas comuns a toda a população estão presentes apenas 8.
A OMS faz, no seu site, a distinção entre “sintomas mais comuns”, “sintomas menos comuns” e “sintomas de uma infeção por Covid-19 severa”. Portugal faz a distinção entre “sintomas mais frequentes” e “casos graves”, com este último a incluir 2 dos 8 sintomas comuns a toda a população.
Em Portugal ainda é possível fazer testagem gratuita em algumas das farmácias do País.