Prisão de ventre, dores de barriga “de tirar o apetite” e uma distensão abdominal “que até parecia que estava à espera de bebé” atormentaram Andreia Almeida ao longo de quase todos os 24 anos de vida. Com uma alimentação saudável, Andreia não percebia as causas para tais sintomas até receber os resultados de uma análise a intolerâncias alimentares. “Era intolerante à lactose, mas, além disso, a partir dos meus sintomas, o gastrenterologista chegou ao diagnóstico de síndrome do intestino irritável.”
Começou então um processo de reeducação alimentar comum aos pacientes que sofrem deste problema, cuja causa não se conhece e a variedade de sintomas pode ir da dor abdominal à distensão, à obstipação, à diarreia ou a uma combinação das duas, segundo a nutricionista do Hospital Lusíadas Lisboa, Joana Bernardo.
A síndrome do intestino irritável cai dentro daquilo que os médicos categorizam como distúrbios funcionais do intestino. Se os pacientes com problemas facilmente identificáveis em exames médicos como intolerâncias à lactose e ao glúten ou tumores no intestino percebem por que razão estão inchados, aqueles que sofrem de distúrbios funcionais podem andar anos inchados sem perceber porquê.
Porque razão nos sentimos inchados?
A distensão abdominal é muito mais comum do que se possa pensar. “Afeta cerca de 20% das pessoas e, se pensarmos em doentes com doenças funcionais do intestino, então aí as queixas podem ascender aos 90%”, revela Pedro Rodrigues, gastroenterelogista do Hospital Lusíadas Lisboa.
Excluindo causas patológicas, como tumores ou intolerâncias alimentares, a distensão pode ocorrer por duas razões: excesso de ar no intestino ou uma sensação de inchaço sem aumento do gás.
No primeiro caso, as causas podem ir da excessiva deglutição, a uma grande fermentação de certos alimentos no intestino, um excesso de ansiedade que provoca uma alteração no microbioma ou algo a ocluir o próprio intestino, impedindo a libertação do gás.
E este inchaço nem sempre é sinónimo de uma alimentação pouco saudável. Por exemplo,como explica a nutricionista da clínica Fisiogaspar, Magda Roma, algumas pessoas com o microbioma desequilibrado têm uma reação às fibras solúveis “na qual há uma grande absorção de água a nível do trato gastro-intestinal, provocando um efeito de rolhão, que impede a passagem do gás resultante da fermentação natural dos alimentos”.
Depois, também pode acontecer que haja uma sensação de inchaço, o chamado bloating, mas sem que esta seja, necessariamente, acompanhada de um aumento do volume de gás no intestino.
Um estudo, publicado na revista Gastroenterology em 2009, descobriu, por exemplo, que quando as pessoas com distúrbios funcionais estavam inchadas, o diafragma contraía-se para baixo em vez de para cima, o que projetava os músculos da parede abdominal, em particular, os oblíquos internos, para a frente.
Simultaneamente, a quantidade de gás dentro dos intestinos não aumentava. O que acontecia era que os movimentos musculares anormais – e o inchaço que os acompanhava – tinham ocorrido, porque os nervos do intestino e da parede abdominal destas pessoas eram excessivamente reativos a quantidades normais de pressão vinda de dentro dos intestinos.
Desta forma, mesmo pequenas quantidades de gás produzidas durante a digestão natural podem causar desconforto e distensão.
Atenuar os sintomas
Como explicam os especialistas, as questões funcionais não são exclusivas de pessoas com doença. Ou seja, o facto de nos sentirmos inchados não significa que estejamos doentes.
Os médicos aconselham uma série de estratégias desde evitar fumar ou mascar pastilhas elásticas, até reuzir o consumo de alimentos com muita lactose ou seguir uma dieta pobre alimentos ricos em FODMAPs (Fermentable oligosaccharides, disaccharides, monosaccharides and polyols), que são hidratos de carbono de cadeia curta altamente fermentáveis, mas de baixa absorção, como cebola, alho, leguminosas, alguns frutos oleaginosos, laticínios, frutose livre presente em alguns frutos e mel, e os chamados polióis presentes no abacate, nas pastilhas elásticas e nos rebuçados.
O importante é perceber o que está a causar o problema para conseguir resolvê-lo e, para isso, alertam todos os especialistas que falaram com a VISÃO, é preciso ser avaliado por um profissional de saúde. Por exemplo, se uma pessoa perceber que faz reação às fibras solúveis, poderá ter de as evitar, apesar de serem saudáveis. Já, se a sensação de inchaço for uma consequência da ansiedade, talvez a solução passe por práticas de relaxamento.
No caso de Andreia, o plano de ataque, dividido em três fases, começou pela eliminação dos alimentos ricos em FODMAPs, “Está provado que estes alimentos podem provocar dor abdominal e maior produção de gases”, refere Joana Bernardo.
Esta dieta altamente restritiva não deve ser mantida durante um longo período de tempo e, por isso, ao fim de um mês, Andreia foi reintroduzindo, um a um, os vários grupos de alimentos, descobrindo que não pode comer couve-flor, maçãs, peras ou soja, mas tolera bem o pão e as bolachas com glúten.
Pedro Rodrigues refere ainda que esta abordagem deve ser sempre acompanha de um médico assistente ou de um nutricionista, “para que não leve a défices importantes”. Como indica Magda Roma, “temos é de encontrar a causa e trabalhá-la e essa causa muda muito de pessoa para pessoa”.
Na terceira fase do plano de Andreia, foi elaborada uma lista final de alimentos tolerados e alimentos que fariam voltar os sintomas, a qual, no início, a jovem levava para o supermercado, mas hoje dispensa, além de confessar: “O ganho de vida e de bem-estar no dia a dia é tanto que não custa nada fazer isto.”
Estratégias para diminuir a sensação de inchaço
Deixar de fumar: o fumo é um fator que aumenta a sensação de inchaço
Não comer pastilhas elásticas: as pastilhas podem causar distensão abdominal por conterem açúcares que não são absorvíveis
Seguir uma dieta pobre em FODMAPs: para descobrir se o organismo reage a algum tipo de alimento de forma anormal, pode seguir-se, temporariamente e sob consulta de um médico ou nutricionista, uma dieta pobre em alimentos que fermentam muito no intestino
Não começar a fazer grandes restrições alimentares antes de consultar um nutricionista
Consumir probióticos: Magda Roma sublinha que a escolha dos probióticos deve ser feita depois de uma avaliação por um profissional de saúde. Alguns probióticos podem ser muito ricos numa determinada estirpe bacteriana, que não é aquela que o paciente tem em défice.
Tomar carvão vegetal: o carvão vegetal tem a capacidade de fazer reabsorção dos gases, mas não trata a causa, apenas o sintoma agudo
Beber tinturas de hortelã pimenta ou infusões de funcho
Reduzir o consumo de açúcares: Magda Roma explica que uma alimentação rica em açúcares, “sejam eles quais forem”, pode aumentar a produção de gases, uma vez que o seu consumo provoca uma maior fermentação a nível intestinal