A Ómicron, cientificamente denominada B.1.1.529, que foi identificada pela primeira vez a 9 de novembro na África do Sul, foi, inicialmente, caraterizada como uma estirpe “preocupante” pela Organização Mundial de Saúde (OMS), por poder ser altamente transmissível e provocar um “risco acrescido de reinfeção”.
Com o passar do tempo, foi-se percebendo que, além de ser mais transmissível do que as anteriores – tornou-se rapidamente a estirpe dominante -, a Ómicron, que tem um grande número de mutações na proteína spike, a “chave” para a entrada nas células humanas, alterava também o tipo de sintomas, que pareciam ser mais leves e confundidos com uma vulgar constipação.
Esta variante, sabe-se agora, tem mais de 50 mutações relativamente ao SARS-CoV-2 original detetado pela primeira vez em Wuhan, na China, sendo que estirpes anteriores consideradas de preocupação não tiveram mais de dez dessas mutações na proteína spike. Além disso, investigadores deram conta de que a entrada desta variante nas células é realizada de forma diferente relativamente às outras estirpes.
Geneticamente, a Ómicron é constituída por três sublinhagens que surgiram ao mesmo tempo – BA.1, BA.2 e BA.3. Um estudo dinamarquês publicado esta semana concluiu que, “em regra geral, a probabilidade de um contágio secundário é de 39% na BA.2, em domicílios com habitantes infetados, em comparação com os 29% na BA.1”.
Apesar de terem passado alguns meses desde a sua descoberta, os cientistas continuam a tentar descobrir a origem e evolução desta variante, presente em mais de 100 países, que é muito diferente de estirpes anteriores como a Alpha e a Delta. Por isso mesmo, o Grupo Consultivo Científico para as Origens de Novos Patógenos (SAGO) da Organização Mundial da Saúde reuniu-se no último mês e os resultados vão ser revelados no início deste, afirma Marietjie Venter, presidente da SAGO, citada pela Nature.
Três teorias distintas ou que podem ser combinadas
Acredita-se que a Ómicron se espalhou da província de Gauteng, entre Joanesburgo e Pretória, África do Sul, para outras províncias e para o Botswana. Mas tendo em conta que é em Joanesburgo que fica o maior aeroporto do continente africano, a variante pode ter surgido em qualquer parte do mundo, tendo sido apenas identificada a primeira vez na África do Sul.
Os Investigadores da Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul, acreditam que o ancestral genético conhecido mais próximo da Ómicron pode ser já do ano de 2020 e que, por isso, esta variante “surgiu do nada”. De acordo com a equipa, podem ter-se perdido várias mutações no caminho que deram origem à Ómicron, apesar de terem sido sequenciado milhões de genomas do SARS-CoV-2.
Cientistas explicam que o surgimento de variantes de preocupação ao longo do tempo acontece à medida que o SARS-CoV-2 se replica e é transmitido de pessoa para pessoa, com o surgimento de mudanças aleatórias na sua sequência de RNA. Algumas dessas mudanças vão persistindo, mas com a Ómicron há especialistas que acreditam que a transmissão de pessoa para pessoa não criaria tantas mudanças em tão pouco tempo – pouco mais de um ano e meio – como as que se verificam nesta variante.
Contudo, investigadores dizem que é possível, uma vez que esta variante pode ter evoluído numa parte do mundo em que o sequenciamento genético do vírus é limitado e não se testam tanto as pessoas, também por falta de sintomas. Além disso, com as vacinações em curso e reinfeções, outras variantes foram perdendo força, enquanto a Ómicron foi escapando e progredindo – acredita-se que centenas de milhões de genomas de pessoas com Covid-19 em todo o mundo não tenham sido sequenciados.
Outra opção estudada pelos investigadores é a de que a variante pode ter desenvolvido várias mutações numa pessoa com infeção crónica. Nessa pessoa, o vírus pode multiplicar-se durante semanas ou meses, surgindo diferentes tipos de mutações que evitam a ação do sistema imunológico.
Em dezembro de 2020, foi relatado o caso de um homem de 45 anos que esteve infetado com o SARS-CoV-2 durante cinco meses. Ao longo desse tempo, o vírus acumulou mais de dez alterações de aminoácidos na proteína spike.
Contudo, os especialistas referem que, até agora, nenhuma pessoa com infeções crónicas, com o sistema imunitário comprometido, estudada até agora teve o número de mutações observadas nesta variante, acrescentando que isso exigiria altas taxas de replicação viral durante muito tempo, o que faria com que a pessoa ficasse cada vez mais doente.
Os investigadores sugerem que a Ómicron pode ter surgido a partir de alguém com uma infeção de longo prazo e que, depois, tenha passado algum tempo na população em geral antes de ser detetada, mas ainda há muitas questões sem resposta, tendo em conta esta possibilidade.
Existe ainda a hipótese de a variante ter surgido a partir de ratos, por exemplo, dizem os investigadores. Alguns estudos concluíram que, ao contrário de variantes anteriores, a proteína spike da Ómicron pode ligar-se à proteína ACE2 de perus, galinhas e camundongos, sendo que uma investigação descobriu que a combinação de mutações N501Y–Q498R permite que as variantes se liguem à ACE2 de ratos.
De acordo com a Nature, os investigadores acreditam que o vírus tenha adquirido mutações que lhe deram acesso a ratos, tendo evoluído até à Ómicron nessa população animal. Um dos ratos infetados terá entrado em contacto com uma pessoa, infetando-a. Há ainda muitas dúvidas também relativamente a esta teoria e algum ceticismo, sendo necessário continuar a investigar a possibilidade.
Estão a ser estudadas estas três teorias, sendo que uma das possibilidades é que a verdadeira origem da Ómicron possa envolver uma combinação dos três cenários. Ainda há muito trabalho pela frente.