Foi na semana passada que o centro médico da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, fez história, ao realizar com sucesso o transplante de um coração de porco para um humano. O coração, geneticamente modificado, poderá salvar a vida a David Bennett, 57 anos, inelegível para um transplante humano e sem mais opções para poder sobreviver.
Os médicos revelaram na última segunda-feira que, três dias depois da operação experimental de alto risco, o paciente estava a melhorar, no entanto ainda é demasiado cedo para saber se a mesma poderá salvar a vida do paciente. No mesmo dia, Bennett já respirava por si próprio, embora ainda ligado a uma máquina para ajudar o seu novo coração. Os médicos continuarão a monitorizar a sua situação, e as próximas semanas serão fundamentais para perceber se há ou não recuperação total da cirurgia.
Trata-se de um passo importante, depois de sucessivas décadas de tentativas de salvar vidas humanas através do xenotransplante — o transplante de células vivas, tecidos ou órgãos de uma espécie para outra. Ficou comprovado que um coração geneticamente modificado de um animal pode ser “instaurado” no corpo humano sem o mesmo o rejeitar imediatamente.
Os cirurgiões do centro médico explicaram porque é que esta operação teve sucesso. As tentativas fracassadas no passado — em 1984, por exemplo, uma criança quase a morrer sobreviveu apenas 21 dias com o coração de um babuíno — não fizeram uso de qualquer mutação genética. Neste caso, foi usado um coração de porco editado geneticamente de onde se removeu um açúcar das células habitualmente responsáveis pela reação negativa ao órgão. E espera-se que seja esta a solução no futuro dos transplantes de animais para humanos, uma nova era em que os órgãos de substituição não sejam tão escassos e dependentes apenas de doadores humanos.
A Food and Drug Administration (FDA), que também supervisiona este tipo de transplantes experimentais, autorizou a operação alegando uma emergência por “uso compassivo”, à qual se recorre em casos de vida ou morte em que não se afigurem outras opções. Já existem várias empresas de biotecnologia a desenvolverem órgãos de suínos para transplante. Neste caso, a empresa fornecedora do coração geneticamente modificado foi uma subsidiária da United Therapeutics, a Revivicor.
O historial de tentativas de transfusão de órgãos de animais para humanos é longo. E as opiniões não abonam a favor desta operação: os advogados vêm-na como uma maneira de reduzir as listas de espera para pessoas em situações extremas, enquanto os ativistas dos direitos dos animais consideram a prática eticamente abominável e perigosa.
O risco de rejeição imunitária é o que mais se evidencia, isto porque, mesmo nos casos de doação de órgãos humanos, os recetores precisam de imunossupressão constante para evitar que os seus corpos ataquem os transplantes. Embora o coração de porco da Revivicor seja projetado para não ser imediatamente rejeitado pelo nosso sistema imunológico em comparação com outros órgãos animais comuns, não há certezas de que este seja bem tolerado pelo corpo. O órgão vem de outra espécie, por isso Bennett precisará de uma imunossupressão mais potente do que o normal, o que acarreta os seus próprios riscos médicos.
Ainda assim, os órgãos dos porcos são os que mais se assemelham aos dos humanos, e o maior desafio é fazer com que sejam “invisíveis” ao corpo humano. Nos anos 90, os cientistas descobriram a presença de retrovírus no ADN dos porcos, potencialmente causadores de infeções nas células humanas, o que os levou a abandonar o seu trabalho. Mas as pesquisas não pararam e a edição dos genomas a um nível muito avançado possibilita que, em plano 2022, Bennett tenha sobrevivido a um estado de saúde possivelmente terminal.