O que é uma cabeça saudável? A resposta é simples, garante Alexandra Antunes, membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses: “É aquela que permite que tudo funcione de uma forma harmoniosa e equilibrada” e que consegue “reconhecer fragilidades e recorrer a ajuda sempre que necessário”.
Segundo a psicóloga, não se pode, aliás, “ter um corpo saudável sem uma cabeça saudável, até porque o cérebro – o órgão mais importante – é responsável pelo funcionamento de todo o corpo”.
É importante que o cérebro consiga “reconhecer quando algo não está bem, seja ao nível físico ou mental”
Precisamos dele, sublinha, “para andar e falar mas também para pensar, sentir, refletir, agir e, desde logo, para que o coração simplesmente bata”. Por isso, diz, é fundamental “cuidar desta parte tão importante do corpo”, para que seja “capaz de reconhecer quando algo não está bem, seja ao nível físico ou mental”.
“Uso muitas vezes uma frase, que ouvi há muitos anos ainda na faculdade, e que é: “O melhor sinal de saúde mental é reconhecermos que não estamos bem e que precisamos de ajuda.” Alexandra Antunes explica o que se deve fazer no dia a dia para tentar manter a mente sã. Veja as respostas e os conselhos da especialista.
Autocuidado
O principal é conselho é o autocuidado, isto é, que cada um possa mobilizar-se para cuidar de si. Até o senso comum repete recorrentemente uma pergunta sábia: “Se eu não cuidar de mim, quem cuidará?”. Diria que, mesmo que haja quem cuide, é fundamental que nos concentremos em nós próprios e que nos cuidemos. Este autocuidado é algo que deve ser feito regularmente, de forma consistente, e que visa as diversas dimensões: emocional, física e social, todas fundamentais para o nosso equilíbrio mental.
Momentos de prazer
Deve começar por organizar o seu dia, para que dele façam parte momentos prazerosos, guardando sempre algum tempo para ocupar com o que mais gosta e que o/a relaxa. Podem ser só 10 ou 15 minutos, mas devem ocorrer diariamente, sem exceção.
Ter uma alimentação equilibrada
Deve seguir uma alimentação equilibrada, o que é sempre recomendável, mais ainda nestes tempos de ansiedade coletiva e propensos a alguns excessos.
Uma alimentação equilibrada tem implicações diretas no nosso organismo. Todos conhecemos diversas doenças que surgem como consequência de erros alimentares. Hoje sabe-se que há alimentos que promovem o bom funcionamento dos diversos órgãos, inclusive do cérebro, e que estão, frequentemente, em défice no nosso organismo.
Há cada vez mais estudos que relacionam estados depressivos e processos demenciais com falhas nutricionais. Por isso, sim, indiscutivelmente, é determinante estarmos atentos à alimentação para mantermos uma mente saudável.
Fazer exercício físico
É importante praticar exercício físico, de preferência fazendo algo com que se identifique. Hoje, há uma diversidade de desportos e de sugestões de exercício – até online – que permitem uma escolha de acordo com o que se mais gosta.
Está provado que a prática de exercício físico tem implicações na prevenção de várias doenças, sejam cardiovasculares, vários tipos de cancros, diabetes, perturbações ansiosas e depressivas, entre outras, que têm reflexo na qualidade de vida e na saúde mental dos humanos.
É também sabido que o exercício físico tem ação na nossa mente, uma vez que permite melhorar as funções cognitivas e o estado emocional. De uma forma simples, durante o exercício físico há um aumento da atividade das células que constituem o sistema nervoso central e que são essenciais para o bom funcionamento do nosso organismo.
Sabemos ainda que a prática de exercício estimula a libertação de endorfina, hormona que nos dá uma sensação de bem-estar. Por isso, ouvimos diariamente relatos de pessoas que assumem fazer esforço para iniciar um exercício, mas que se sentem muito bem, recompensadas, mesmo, no final da atividade física.
O papel do exercício físico é tão importante para a nossa saúde que está em curso um plano nacional, que decorre de um objetivo internacional, visando a promoção da atividade física na população e nas diversas faixas etárias.
Quebrar rotinas
Sempre que possível, deve quebrar a rotina do seu dia a dia. As rotinas são essenciais para a nossa autorregulação, contudo é muito importante que as interrompa para contornar a saturação das tarefas que nos vão sendo impostas.
Manter contactos
Igualmente fundamental é manter sempre um contacto próximo com quem mais gosta, da família aos amigos. Nesta fase pandémica, é difícil ter contacto físico, mas as tecnologias estão cada vez mais democratizadas e ajudam tanto a superar distâncias como a alimentar ligações afetivas.
O ponto anterior é ainda mais importante porque se torna decisivo que nunca deixe de partilhar os seus sentimentos com quem lhe é mais próximo ou com alguém em que mais confia.
Estar atento às emoções
As emoções são determinantes na saúde mental, desde logo por serem mais difíceis de controlar e, por isso é que elas se manifestam, muitas vezes, em sensações corporais inevitáveis, seja um aperto no peito, um aumento da frequência cardíaca ou o simples rubor facial. As emoções são desencadeadas pelo muito que vemos, ouvimos, sentimos e pensamos, e levam frequentemente à dificuldade em distingui-las dos sentimentos, já que se sucedem. Isto é: a emoção provoca sentimentos, e estes refletem-se nos pensamentos e em comportamentos. É um processo que ocorre em círculo, como se uns alimentassem os outros. Se estou apaixonado/a, a alegria será a emoção que me invade. Se, pelo contrário, me sinto rejeitado/a, a emoção será de tristeza e de angústia.
É importante lembrar que todos experienciamos as mais diversas emoções, e é assim que deve ser. Contudo, quando no nosso dia a dia o que prevalece são emoções negativas, que alteram a nossa forma de estar e de agir, isso poderá ser indicador de que a nossa saúde mental precisa de atenção e, até mesmo, de intervenção profissional.
Controlar o stresse
Lembremo-nos de que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o stresse como a “epidemia de saúde do século XXI”. No entanto, é importante salientar que o stresse nem sempre é mau, ou seja: ao ser uma resposta fisiológica e comportamental que nos move sempre que nos sentimos ameaçados, ele também é protetor. O stresse, numa dose “normal”, permite, por um lado, mantermo-nos focados e determinados em alcançar um objetivo e, por outro, protegermo-nos sempre que nos sentirmos em perigo.
O problema é quando os níveis de stresse disparam para além do razoável, dando origem a sintomas diversos e preocupantes, sejam físicos (dores de cabeça, musculares, alterações gastrointestinais, perda de peso, insónias) ou emocionais (ansiedade, tristeza, irritabilidade, impulsividade, dificuldade em relaxar, isolamento, fraca autoestima, raiva).
A melhor forma de percebermos se os nossos níveis de stresse estão para além do normal é mantermo-nos atentos a esses sinais e sintomas, de forma a agir para repor a normalidade.
Valorizar o sono
O sono é mesmo muitíssimo importante, o que se comprova no facto de haver muitas perturbações, por exemplo depressivas e ansiosas, que são desencadeadas por alterações do padrão do sono. Podemos exemplificá-lo com casos habituais de poucas horas de sono ou de um sono interrompido por vários despertares. Isto é muito comum, por exemplo, em pessoas que trabalham por turnos ou em pais com bebés que os obrigam a ter um sono intermitente.
É importante perceber que, durante o sono, ocorrem processos essenciais ao melhor funcionamento do organismo e, como tal, é fundamental que sejam percorridas as várias fases do sono. Um dos processos que é possível destacar é a consolidação da memória, absolutamente decisiva nos esforços de aprendizagem.
Acresce que é durante o sono que recuperamos energias e fortalecemos o organismo, podendo estabelecer-se uma relação direta entre consequências orgânicas, físicas e mentais e uma (seja maior ou menor) privação de sono.
Vale sempre a pena sublinhar que as horas necessárias para um sono reparador variam de pessoa para pessoa e de acordo com a faixa etária.
Dosear as novas tecnologias
A questão será sempre a do doseamento e que, também aqui, o uso excessivo pode ser prejudicial. Mas vivemos numa era digital, algo que não vai alterar-se, antes pelo contrário, vai acentuar-se, pelo que devemos utilizá-las em nosso proveito, percebendo a mais-valia que podem representar. Exemplo disso foram os últimos meses de pandemia, em que as tecnologias se tornaram fundamentais para mantermos a proximidade das pessoas de quem mais precisamos, ao mesmo tempo que pudemos dar sequência às nossas obrigações profissionais, com o teletrabalho, ou académicas, com as aulas à distância.
O reverso da medalha é o uso excessivo, reforçado por estímulos muito fortes, visuais e auditivos, que facilmente podem fomentar dependências. Se a este facto somarmos o baixo autocontrolo, normal, por exemplo, em crianças e adolescentes, torna-se forçoso redobrar a atenção para evitar essas consequências de um uso excessivo.
Os sintomas mais comuns de que há um risco acrescido de dependência são o isolamento social, as oscilações do humor, um aumento de sinais de irritabilidade, impulsividade ou ansiedade e, ainda, perturbações no sono ou problemas de atenção e de concentração.
Vale a pena referir que há cada vez mais pais a recorrerem a consultas de psicologia com queixas de alterações no comportamento dos filhos, associadas ao excesso do consumo de diversas tecnologias. Nestes casos, compete precisamente aos pais a responsabilidade de um maior controlo, em nome de um uso saudável das tecnologias.
Os efeitos psicológicos
Além do impacto da Covid-19 na mortalidade e na saúde física, a Ordem dos Psicólogos lembra que este contexto epidémico tem ainda efeitos graves na saúde psicológica e no bem-estar. Num documento sobre um ano de pandemia, a ordem explica as principais consequências
Efeitos mentais
Cerca de metade dos portugueses sentiu impactos psicológicos moderados ou graves e mais de 70% dos que estiveram em situação de isolamento apresentam sofrimento psicológico.
Ansiedade e stresse
A prevalência dos sintomas de ansiedade, depressão e perturbação de stresse pós-traumático aumentou consideravelmente.
Os mais novos
As crianças e os adolescentes revelam estar mais preocupados, frustrados, ansiosos, agitados e tristes.
Médicos e enfermeiros
Quase três em cada quatro profissionais de saúde apresentam níveis médios ou elevados de exaustão emocional e burnout.
(Artigo publicado na VISÃO Saúde nº 17, de abril de 2021)
E, ainda, saiba que o stress pode ter consequências irreversíveis na sua saúde. Aprenda a ouvir o seu corpo e, no vídeo, perceba os sinais a que tem de estar atento