Atualmente, cerca de 80% da população residente em Portugal está completamente vacinada contra a covid-19, mas o processo de inoculação ainda pode estar longe de terminar.
No início deste mês, a Direção-Geral da Saúde (DGS) atualizou a norma relativa à campanha de vacinação e passou a recomendar uma dose adicional da vacina para todas as pessoas com 16 ou mais anos com quadros de imunossupressão. Contudo, o reforço da imunidade pode não ficar por aqui.
A discussão acerca da administração de uma dose extra da vacina à população saudável está ao rubro nos países com mais recursos económicos e, alguns deles, já avançaram mesmo com a medida.
Afinal, o que sabemos sobre a necessidade de renovar a proteção contra o SARS-CoV-2? Eis algumas perguntas e respostas essenciais.
Quem já pode tomar uma dose adicional da vacina em Portugal?
A DGS recomenda que as pessoas com 16 ou mais anos recebam uma dose de reforço, caso estejam imunodeprimidas (transplantes, tratamentos oncológicos, doenças autoimunes ou a infeção pelo vírus VIH são algumas das condições previstas).
Independentemente da marca do fármaco com o qual foram inicialmente imunizados, aqueles que são elegíveis para uma dose extra devem receber uma vacina de mRNA (a da Pfizer/BioNTech ou a da Moderna) com um intervalo mínimo de três meses após a última inoculação.
A administração da injeção adicional deve ser realizada nos centros de saúde e exige a apresentação de prescrição médica.
A DGS recomenda que as pessoas com 16 ou mais anos recebam uma dose de reforço da vacina, caso estejam imunodeprimidas
Quem é saudável também vai voltar a ser vacinado?
Ainda não se sabe. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) está atualmente a avaliar o pedido de autorização da Pfizer/BioNTech para administrar uma terceira dose da vacina seis meses após a segunda inoculação, em pessoas com 16 ou mais anos.
Os resultados de um ensaio clínico que envolve 300 adultos saudáveis, que receberam uma dose extra ao fim de meio ano, serão tidos em conta no momento da tomada de decisão, que deverá ser conhecida nas próximas semanas.
Por enquanto, a posição oficial da EMA, em conjunto com o Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças (ECDC), é a de que a administração de doses de reforço à população em geral não é urgente, exceto no caso de “indivíduos imunodeprimidos”.
No entanto, a decisão de vacinar ou não cabe a cada estado-membro da União Europeia, já que a EMA e o ECDC apenas emitem recomendações.
Que provas existem de que é necessária mais uma dose da vacina?
Alguns estudos mostram que os anticorpos existentes no organismo das pessoas vacinadas contra a covid-19 diminuem ao longo do tempo, o que é natural. O problema é que os cientistas não sabem até que ponto essa diminuição põe em causa a proteção contra o vírus. Descobrir o limiar de anticorpos necessários para garantir imunidade contra a covid-19 é indispensável para aferir com rigor a necessidade de uma dose de reforço.
Em julho, o ministério da Saúde israelita revelou que a proteção das vacinas contra a infeção e a doença sintomática diminuiu de 90% nos primeiros meses do processo de vacinação, iniciado em dezembro, para 40% no final de junho, o que poderá dever-se à maior contagiosidade da variante Delta.
Já a Pfizer/BioNTech publicou um estudo, ainda sem revisão dos pares, no qual estima que a eficácia de duas doses da sua vacina contra a doença sintomática passou de 96% para 84% ao fim de seis meses.
Quer dizer que ainda estamos protegidos com o atual esquema vacinal completo?
Sim. Apesar de a variante Delta implicar o dobro do risco de infeção para as pessoas vacinadas, comparativamente com a variante Alpha, um estudo conduzido pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), ainda sem revisão dos pares, revelou que as duas doses das vacinas de mRNA (Pfizer/BioNTech e Moderna) garantem uma proteção entre 41 e 80% contra a infeção causada pela Delta (no caso da Alpha a eficácia era entre 70 a 90%).
Em junho, uma análise do instituto de saúde pública britânico, o Public Health England, avaliou a eficiência das vacinas da Pfizer/BioNTech e da AstraZeneca na prevenção de hospitalizações. Após a vacinação completa, a da Pfizer/BioNTech evita 96% dos internamentos e a da AstraZeneca 92%.
Tanto a Moderna como a Pfizer/BioNTech garantem que a proteção contra a doença grave se mantém na ordem dos 90%, ao fim de seis meses.
Segundo a DGS, até ao início de agosto, 16 600 pessoas com a vacinação completa foram infetadas pelo SARS-CoV-2, ou seja, 0,3% do total de vacinados. Destas, 168 morreram, sendo que 81% das vítimas tinham mais de 80 anos.
Até ao início de agosto, 16 600 pessoas com a vacinação completa foram infetadas pelo SARS-CoV-2, ou seja, 0,3% do total de vacinados
Medir o número de anticorpos presentes no organismo é suficiente para avaliar a eficácia das vacinas?
Não. É essencial não esquecer que à resposta imunitária humoral (mediada por anticorpos), soma-se a resposta imunitária celular (mediada por linfócitos T), que não é quantificável pelo número de anticorpos presentes no organismo.
Recentemente, a imunologista Helena Soares explicou à VISÃO ser fundamental monitorizar três parâmetros que, em conjunto, podem permitir avaliar a necessidade de reforçar a inoculação: “Estudos serológicos, que nos possam ajudar a perceber qual o limiar de anticorpos necessários para estar protegido; testes imunológicos, que revelem a durabilidade das células T e B e a vigilância epidemiológica, que permite saber a proporção de pessoas vacinadas infetadas”.
A decisão de administrar uma dose adicional não é consensual, pois não?
Não, muitos especialistas consideram que a proteção contra doença grave é a missão mais importante das vacinas e, até agora, ela parece continuar a ser cumprida.
Por outro lado, ainda existem muitos países longe de vacinarem a maioria da população, nem que seja com uma dose. A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem apelado aos países mais ricos para adiarem a administração da terceira dose e ajudarem a fazer chegar mais vacinas aos Estados menos desenvolvidos. O diretor do programa de emergência de saúde da OMS, Mike Ryan, deixou um apelo: “Estamos a planear distribuir coletes salva-vidas extra para pessoas que já têm coletes salva-vidas, enquanto deixamos outras pessoas afogarem-se sem terem um único colete para salvar a sua vida”.
Tomar uma terceira dose implica riscos acrescidos de efeitos secundários?
Os países mais avançados na administração de uma dose adicional da vacina têm registado efeitos adversos semelhantes aos da primeira ou da segunda toma. Nos Estados Unidos da América (EUA), já receberam uma dose de reforço mais de um milhão de pessoas, enquanto em Israel esse número sobe para o dobro.
O mais recente Relatório de Farmacovigilância elaborado pela autoridade nacional do medicamento, o Infarmed, revela que foram notificados cerca de 14 500 efeitos secundários devido às vacinas em Portugal, até 31 de agosto. O equivalente a uma reação adversa por cada mil inoculações.
Foram notificados cerca de 14 500 efeitos secundários devido às vacinas em Portugal, o equivalente a uma reação adversa por cada mil inoculações
É provável que a vacina contra a covid-19 se torne anual?
Não necessariamente, mas ainda não existe evidência científica suficiente sobre isso. O intervalo entre a primeira e a segunda dose das vacinas pode ser demasiado curto para garantir uma resposta imunitária duradoura, mas uma dose extra, ao fim de alguns meses, pode ser suficiente para garantir uma proteção mais prolongada e evitar uma nova inoculação.
Se for preciso uma dose extra para toda a gente, Portugal terá vacinas suficientes?
Sim. O ministério da Saúde já veio assegurar que Portugal recebeu, até à data, 17,5 milhões de doses das vacinas da Pfizer/BioNTech, AstraZeneca, Johnson & Johnson e Moderna, um valor que “é, já por si, suficiente para a eventual necessidade de doses suplementares ao esquema vacinal atual”. Além disso, “foram estabelecidos acordos para o ano de 2022 e 2023”.
No mês passado, o primeiro-ministro, António Costa, garantiu, igualmente, que “a União Europeia, já há uns meses, procedeu à aquisição de uma quantidade de vacinas adequada para uma eventual decisão [positiva] sobre a terceira dose. E Portugal também”.