Segundo dados do último Relatório Anual do Observatório Nacional da Diabetes, mais de um milhão de portugueses têm diabetes, um número que, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), faz com que Portugal fosse, em 2019, o segundo país da União Europeia com maior prevalência de diabetes dos tipos 1 e 2 em adultos (9,8%), a seguir à Alemanha, sem contar com os casos de hiperglicemia intermédia ou pré-diabetes.
Se na diabetes tipo 1 há uma deficiência de insulina, na tipo 2 o que predomina é a resistência à ação da insulina, com a esmagadora maioria – 90% – destes doentes a apresentarem excesso de peso ou obesidade. Se não for tratada, a diabetes tipo 2 pode provocar complicações de saúde sérias. “Continua a verificar-se que a mortalidade por enfarte agudo do miocárdio nas pessoas com diabetes é superior à da população não diabética, portanto é importante adotar um estilo de alimentação e vida saudáveis para que se previna o aparecimento desta doença”, alerta, à VISÃO, Andreia Gomes, bióloga e Diretora Técnica e de Investigação e Desenvolvimento de um laboratório de tecidos e células estaminais em Portugal.
Apesar de haver cada vez mais novos e melhores medicamentos hipoglicémicos para o tratamento da diabetes tipo 2, a sua eficácia, explica a investigadora, é limitada no aparecimento e progressão das complicações silenciosas associadas à doença. “Neste sentido, as células estaminais mesenquimais do cordão umbilical apresentam benefícios no combate em várias frentes da diabetes, como no controlo da glicémia, aumentando a sensibilidade à insulina, no estado inflamatório, mas também ajudam no controlo e na recuperação das complicações relacionadas com a diabetes”, esclarece.
Tem-se demonstrado, a partir de investigações extensas, que o transplante de células mesenquimais derivadas do cordão umbilical e o tratamento com o secretoma destas células combatem os efeitos prejudiciais da hiperglicemia e progressão da diabetes tipo 2, através da atenuação da inflamação crónica e disfunção das células β pancreáticas. “Pode salientar-se, entre vários efeitos, a melhoria na recuperação funcional do tecido muscular cardíaco isquémico, o atraso da progressão da retinopatia diabética, a exibição de efeitos nefroprotetores, a melhoria da função imunológica global e a diminuição da inflamação crónica e da disfunção das células β pancreáticas”, explica Andreia Gomes. Além disso, diz a especialista, as células estaminais mesenquimais do cordão umbilical têm-se revelado “promissoras na aceleração da cicatrização de feridas diabéticas, favorecendo a reparação de tecido e a revascularização”.
Um estudo publicado em maio deste ano deu conta de que, 24 meses após a infusão de células mesenquimais do cordão umbilical em doentes com diabetes tipo 2, houve uma diminuição significativa na média diária de insulina administrada e metade dos doentes que participaram neste ensaio clínico ficaram independentes da administração de insulina.
Conjuntamente com outra terapia ou sozinhas, podem fazer parte de um plano de cura devido à sua capacidade de regeneração tecidular, esclarece a investigadora. “Quando as comunidades científica e médica dominarem totalmente as técnicas terapêuticas, faremos pleno uso de todo o conjunto de propriedades e potencial regenerativo que as células mesenquimais do cordão umbilical podem fornecer”, acrescenta.
Ensaios clínicos já avançados
As células mesenquimais do cordão umbilical já são mundialmente usadas para o combate da doença do enxerto contra o hospedeiro, inclusivamente em Portugal. Relativamente à diabetes tipo 2, os estudos estão cada vez mais avançados, havendo já um número razoável de ensaios clínicos em diferentes complicações desta doença, refere Andreia Gomes. O uso das células mesenquimais a partir de outras fontes, como da medula óssea, é mais antigo e, portanto, melhor caracterizado e estudado, mas a quantidade de células mesenquimais obtidas nesta fonte é consideravelmente menor comparativamente à do cordão umbilical. “Além disso, para a colheita destas células a partir da medula óssea são sempre necessários procedimentos invasivos e com risco associado ao dador. A colheita não invasiva e segura é uma das grandes vantagens que o cordão umbilical apresenta em relação a outras fontes de células mesenquimais”, esclarece a investigadora.
O estudo do tecido do cordão umbilical é recente e o processo está ainda numa fase mais inicial, pré-clínica, com vários tipos de estudos e ensaios clínicos – com a participação de crianças e adultos – a serem realizados por diferentes equipas, em Portugal e no mundo, sendo que muitos doentes têm-se voluntariado para fazerem parte dos ensaios clínicos. Até agora, os doentes transplantados não apresentam aumento da mortalidade ou efeitos colaterais adversos relacionados com as células mesenquimais do cordão umbilical. “Naturalmente, o ideal seria a inclusão desta terapia no SNS. Sabe-se que é uma terapia mais dispendiosa que as terapias atualmente usadas, mas que até hoje tem apresentado um grande potencial na recuperação”, acrescenta Andreia Gomes.
As investigações sobre as possíveis aplicações terapêuticas das células mesenquimais do cordão umbilical representam, de acordo com a bióloga, um grande avanço na área da saúde, principalmente no combate à progressão da diabetes tipo 2.
A importância da criopreservação das células do cordão umbilical
A criopreservação destas células é necessária para que haja a possibilidade de utilizá-las. Depois de um parto, o destino do cordão umbilical é uma decisão muito pessoal dos pais da criança. Se elegerem a conservação das células estaminais do cordão umbilical num banco privado, elas são armazenadas para uso exclusivo da criança em questão ou de um familiar. Os pais podem também optar pela doação das células estaminais do cordão umbilical ao banco público, podendo posteriormente ser utilizadas por qualquer doente que necessite delas.