O recado chega da cardiologista Mónica Mendes Pedro: fumar, mesmo que um ou outro cigarro, é caminho direto para alguma das mais graves e fatais doenças. “O fumo do tabaco é uma mistura complexa e dinâmica de gases e partículas, na qual foram identificadas mais de quatro mil substâncias” — umas provocam “cancro em diferentes localizações” e outras, tóxicas, afetam todo o organismo humano, em particular o sistema respiratório, o sistema cérebro e cardiovascular e a função sexual e reprodutiva. Hoje em dia, é “a primeira causa isolada evitável de doença e de morte prematura nos países desenvolvidos”, nota, lembrando que por ano, em Portugal, o “tabaco contribuiu para a morte de mais de 11 mil pessoas”. Os fumadores morrem cerca de dez anos mais cedo do que aqueles que nunca fumaram.
Veja as doenças que os cigarros provocam, segundo Mónica Mendes Pedro, cardiologista do Hospital da Luz e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia.
Cancro
O tabaco fumado em qualquer uma das suas formas causa até 1/3 de todos os casos de cancro e 90% de todos os cancros do pulmão. Os cancros mais frequentemente associados ao tabagismo são:
– pulmão
– boca, lábio, língua, laringe, faringe
– esófago, estômago, cólon, pâncreas
– bexiga, rins, colo do útero
Asma e bronquite
Os cigarros são também causa de outras doenças do aparelho respiratório, como a bronquite crónica (75%-80%), a asma e o enfisema.
AVC e enfartes
Fumar é meio caminho andado para as doenças do aparelho circulatório, como os acidentes vasculares cerebrais, o enfarte agudo do miocárdio (25%), a angina de peito e a doença arterial periférica (a qual pode levar à amputação de membros), e, por consequência, incapacidade e morte.
O tabaco lesa o endotélio, que é a camada que reveste internamente os vasos sanguíneos, o que facilita o aparecimento e a progressão das placas de aterosclerose, que vão estreitando as artérias e provocando a sua oclusão. Também interfere com a produção de óxido nítrico nas artérias, levando ao espasmo das mesmas. Tudo isto torna mais difícil a circulação do sangue, facilitando ainda a formação de coágulos dentro dos vasos sanguíneos.
Pressão arterial
Embora ainda não haja evidência segura de que o tabaco contribua para a hipertensão arterial crónica, é um facto que eleva a pressão arterial imediatamente após cada fumaça, a qual se mantém temporariamente alta, o que também contribui para a lesão vascular. Acresce que o tabaco diminui a eficácia dos medicamentos anti-hipertensores.
Diabetes
Existe evidência de que o tabaco aumenta a resistência periférica à insulina e que diminui a eficácia dos fármacos antidiabéticos, pelo que é um fator de risco evitável para diabetes, a qual é uma doença que contribui muito e precocemente, entre outras consequências, para o desenvolvimento da aterosclerose.
Não é, pois, de admirar que o tabaco aumente o risco de todas as doenças secundárias à falta de irrigação de sangue.
O que acontece ao corpo quando deixa de fumar
Deixar de fumar antes dos 30-34 anos repõe a esperança média de vida ao nível da do não fumador, diz a cardiologista Mónica Mendes Pedro, explicando o que sucede ao longo do tempo
► Após 20 minutos sem fumar, a pressão arterial e a frequência cardíaca voltam ao normal;
► Após 12 horas, os níveis de monóxido de carbono no sangue normalizam;
► Após duas semanas a três meses sem fumar, a função pulmonar melhora, a circulação sanguínea melhora e a capacidade de esforço aumenta; o risco de enfarte do miocárdio desce, e o paladar e o olfato melhoram;
► Após um ano, o risco de ataque cardíaco desce para metade;
► Após dois a cinco anos, o risco de acidente vascular cerebral diminui, tornando-se semelhante ao dos não fumadores;
► Após cinco anos, o risco de úlceras do estômago diminui, bem como o risco de cancro da bexiga, da boca, do esófago e da laringe;
► Após dez anos, diminui em 50% o risco de cancro do pulmão comparativamente com as pessoas que continuam a fumar. Reduz, também, o risco de cancro do pâncreas e do rim;
► Após 15 anos, o risco de enfarte do miocárdio torna-se idêntico ao do não fumador, do mesmo sexo e idade.
Os riscos
Assim, comparados aos não fumadores, estima-se que o tabagismo aumenta o risco de:
► Desenvolver doença coronária (responsável pelos enfartes do miocárdio) em duas a quatro vezes;
► Desenvolver acidente vascular cerebral em duas a quatro vezes;
► No homem, desenvolver cancro do pulmão em 23 vezes;
► Na mulher, desenvolver cancro do pulmão em 13 vezes;
► Morrer de doenças pulmonares obstrutivas crónicas (como bronquite crónica e enfisema) em 12 a 13 vezes;
► Na mulher, o tabagismo torna, em média, a menopausa três a quatro anos mais precoce;
► Na gravidez, o consumo regular de tabaco aumenta o risco de aborto espontâneo, de gravidez ectópica, de prematuridade, de baixo peso à nascença e de mortalidade perinatal. A nicotina e o alcatrão concentram-se três vezes mais no líquido amniótico do que na mãe, o que quer dizer que por cada cinco cigarros, o bebé “fuma” 15.
TÉCNICAS QUE AJUDAM
Mónica Mendes Pedro explica as terapêuticas farmacológicas que existem
► Os substitutos da nicotina, em formulações de administração por via oral (pastilhas, comprimidos, gomas) ou por via transdérmica (adesivos), em doses várias, que atuam por repor a dose diária de nicotina habitualmente consumida, diminuindo os sintomas de privação e ajudando o doente nas primeiras oito a 12 semanas de tratamento, iniciando-se no dia da cessação tabágica. É fundamental o ensino da sua correta utilização, não estando estes fármacos sujeitos a receita médica;
► O agonista parcial para os recetores nicotínicos neuronais bloqueia os recetores mas também os estimula, diminuindo os sintomas de privação. De prescrição médica obrigatória, habitualmente, o tratamento inicia-se uma a duas semanas antes de se deixar de fumar e prolonga-se por doze semanas;
► O inibidor seletivo da recaptação neuronal das catecolaminas diminui a imperiosidade de fumar e a síndrome de privação. Deve ser iniciado ainda quando a pessoa fuma e esta deve deixar de fumar durante as primeiras duas semanas de tratamento, preferencialmente na segunda semana. Também é um fármaco sujeito a receita médica obrigatória e a duração do tratamento é de oito a doze semanas.