De acordo com o relatório do Instituto Dr. Ricardo Jorge (INSA), divulgado esta sexta-feira, a região de Lisboa e Vale do Tejo é a única no Continente com um índice de transmissibilidade (Rt) acima de 1.
Entre 12 e 16 de maio, o INSA estima que o valor médio do Rt da região seja de 1,11, o que acabou por catapultar o Rt do Continente para 1,03, apesar de nenhum dos Rt das regiões Norte, Centro, Alentejo ou Algarve superar os 0,98.
As estimativas do INSA são, segundo o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, semelhantes às da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que apontam para um Rt nacional de 1,05, “que já tem estado assim desde cerca de 9 de maio”, e de 1,14 na região de Lisboa e Vale do Tejo, “onde tem vindo a subir devagarinho também desde 9 ou 10 de maio”.
O grupo mais preocupante, na região de Lisboa e Vale do Tejo, que Carmo Gomes apelida de “atual motor da transmissão” é a faixa etária dos 20 aos 29 anos. “O número de novos casos a 14 dias, por 100 mil habitantes, na região de Lisboa e Vale do Tejo, está à volta de 152 nos 20 a 29 anos, enquanto que a média nacional é de 50 casos, a 14 dias, por 100 mil habitantes”.
Com os festejos do Sporting a 10 dias de distância, durante os quais milhares de pessoas, muitas delas sem máscara, se juntaram na capital, fica a dúvida se a festa já está a custar caro. É que desde o último relatório, apresentado a 7 de maio, o concelho de Lisboa passou de uma incidência cumulativa a 14 dias de 67 para 118 casos por 100 mil habitantes.
Como explicou à VISÃO o especialista em Saúde Pública Henrique Lopes, no dia seguinte aos festejos, “se todos tivessem usado máscara, sendo uma celebração ao ar livre, não haveria muitos casos. Mas sem máscara… Basta haver um contaminado que seja ‘superspreader’ (com tendência para contaminar muitas pessoas) e esteja sem máscara para criar ali umas 20 cadeias de transmissão diferentes”.
Segundo Carlos Antunes, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que está a acompanhar a evolução epidemiológica da Covid-19 em Portugal, tanto o número médio de novos casos na região de Lisboa como a taxa de incidência na faixa etária entre os 20 e os 29 anos já vinham a aumentar desde o início de maio, mas sofreram ambos uma aceleração significativa após os festejos.
“Em termos de taxa de incidência, de 112 casos por 100 mil habitantes esta faixa etária passou para 152, portanto é o grupo com maior crescimento. Já vinha a aumentar antes dos festejos, mas depois teve uma aceleração”, diz o especialista. Dado que taxa de incidência é um indicador a 14 dias, Carlos Antunes estima que o aumento da aceleração se tenha dado no dia 17 de maio, “o que significa que, tendo em conta que o indicador tem um atraso de seis a sete dias, estará associado aos festejos”.
O especialista confessa que, ao ver o número de novos casos na zona de Lisboa, há dois dias (250), ainda pensou tratar-se “de uma questão de atrasos”, mas revela que “os números de hoje [277] vieram confirmar que há uma tendência de subida”.
Tanto Carlos Antunes como Manuel Carmo Gomes sublinham que a tendência de crescimento já se sentia desde o início do mês, com o segundo a alertar que “o vírus é como uma mola. Quando tiramos a mão da mola, que é como quem diz desconfinamos, temos de pôr um contrapeso e, neste momento, o único contrapeso que temos, além da vacinação, é a testagem”.
Testar em massa, não deixar que o número de testes diminua só porque o número de casos também diminui, registar no SINAVE (Sistema nacional de Vigilância Epidemiológica), em menos de 24 horas, 90% dos casos que são detetados e acompanhar as variantes do novo coronavírus são as quatro medidas que o epidemiologista considera essenciais para manter a situação controlada, porque “não temos a batalha ganha”.
Já Carlos Antunes revela que, com o ritmo de aumento que se sente na taxa de incidência do concelho de Lisboa, “podemos chegar aos 120 casos por 100 mil habitantes já para a semana e entrar na lista de concelhos em vigilância”.