Há algum tempo que os mais variados especialistas em vírus e imunização estão convictos de que o SARS CoV-2 deixará de ser pandémico para se tornar endémico e que vamos, coronavírus e humanos, conviver mais ou menos pacificamente ao abrigo da imunidade de grupo. De Anthony Fauci, o conhecido epidemiologista americano, à Organização Mundial da Saúde, já todos o assumem, sem margem para dúvidas.
É também consensual que a vacinação terá um papel determinante nesse tão aguardado grande passo para a imunidade, mas não só, como revelam os investigadores Marc Veldhoen e Pedro Simas, respetivamente imunologista e virologista do Instituto de Medicina Molecular, num estudo publicado na Nature Reviews Immunology. Ou seja, a presença endémica do SARS CoV-2 na comunidade tem aqui uma importante contribuição para esse cenário, já que passará a ter um comportamento muito semelhante aos dos outros quatro coronavírus humanos conhecidos, e que, em regra, causam apenas infeções leves ou assintomáticas — “muito semelhantes às geradas por uma coleção de famílias de vírus que visam o trato respiratório superior” e que nos podem fazer apanhar constipações “várias vezes por ano”, lê-se no documento.
Convictos de que “as vacinas serão bem-sucedidas para acabar com a pandemia de Covid-19″, os especialistas questionam, no entanto, que possam ser eficazes contra a reinfeção ou mesmo a sua erradicação. Aliás, Veldhoen e Simas mostram-se mesmo convencidos que os coronavírus humanos anteiormente conhecidos “tiveram uma história mais letal” do que oficialmente se supõe, e que “possivelmente, houve uma incorreta identificação do agente que provocou as ‘pandemias de gripe’ no passado” — isto antes de passarmos a conviver todos mais ou menos pacificamente.
Segundo os dados analisados, “a presença contínua do SARS CoV-2 será semelhante à dos outros coronavírus endémicos” e a “imunidade será mantida por uma reinfeção intermitente” que proporcionará “proteção de grupo contra infeções graves nos mais vulneráveis”. Serão as “infeções a partir de uma idade jovem e as reinfeções mais tarde, que irão acumular e manter a imunidade”. Ou seja, como precisa Pedro Simas à VISÃO, “o facto de o vírus continuar a circular vai estimular o nosso sistema imunitário para continuar a produzir anticorpos”.
Embora ressalvando sempre que “não podem ser feitas previsões exatas”, os investigadores sublinham que as evidências até à data indicam que este coronavírus se vai comportar de forma muito semelhante às dos outros conhecidos. “Para criar uma imunidade mais completa, agora é preciso vacinar. Mas depois, o contacto com o vírus ao longo da vida irá contribuir para uma memória acumulada nas nossas células, impedindo-o de provocar mais do que uma constipação”, avalia Simas. Uma imunidade que aumentará ao longo do tempo, nas novas gerações, e que fará com que “a necessidade de programas de vacinação em larga escala seja transitória”.