Desde que foram recolhidas as primeiras amostras do vírus da papeira até à aprovação para a uso em humanos da vacina contra a doença, passaram quatro anos. Estávamos nos anos 60 e batia-se então o recorde de velocidade de criação de uma vacina.
Quando, há um ano, os cientistas começaram a trabalhar numa vacina para o SARS-CoV-2, ninguém arriscou datas. Do coronavírus pouco se sabia, enquanto sobre a demora em conseguir uma vacina não havia dúvidas.
No entanto, à medida que se aproximava o final de 2020, começavam a surgir as boas notícias: em novembro, a farmacêutica Pfizer revelava que dados provisórios indicavam que vacina podiam ser eficaz em 90 por cento. Dias depois, revia este número para 95% e a Moderna anunciava uma eficácia semelhante. No início de dezembro, foi a vez de a Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca confirmarem uma eficácia média de 70,4% da sua vacina, mas que podia ir até 90 por cento.
Resumindo: no mesmo ano em que começou a investigação, já havia milhares de vacinados em todo o mundo.
Um dos fatores que explica esta velocidade é, claro, o dinheiro. Nunca em nenhum momento da história houve um investimento tão grande por parte dos Estados nas farmacêuticas para permitir este desenvolvimento, com, por exemplo, vários ensaios clínicos a decorrerem em paralelo. Só os Estados Unidos investiram milhares de milhões de dólares.
Rino Rappuoli, cientista da farmacêutica GlaxoSmithKline, explica que graças a este volume de financiamento, os fabricantes puderam levar a cabo os ensaios pré-clínicos e de fase 1, 2 e 3 em paralelo, em vez de sequenciais.
Além disso, o processo não começou do zero. A biotecnologia por detrás das vacinas da Pfizer/BioNTech e da Moderna estava a ser trabalhada há anos. Trata-se de uma técnica de imunização inovadora, que recorre ao RNA mensageiro (mRNA). Estas vacinas induzem o sistema imunitário a fabricar defesas, sem ser necessário inocular o vírus, ainda que enfraquecido, nem as suas proteínas. Neste caso, será o próprio organismo a produzir proteínas específicas do vírus, que desencadeiam uma reação imunitária. Esta tecnologia necessita apenas do código genético do novo vírus, e, no caso desta pandemia, aquele ficou disponível poucos dias depois de o novo coronavírus ter sido identificado e isolado. À parte desta investigação, os cientistas também já andavam de olho nos coronavírus há vários anos, graças às epidemias de SARS e MERS. “O facto de estarmos a prestar muita atenção aos coronavírus permitiu realmente acelerar todo este processo”, conclui Natalie Dean, da Universidade da Florida, em declarações à Nature.
Por outro lado, a própria pandemia, com o coronavírus a circular tão amplamente, permitiu que os ensaios clínicos decorressem com uma rapidez fora do comum – com tantos infetados, não foi preciso esperar muito para perceber se as vacinas estavam, efetivamente, a ter um efeito protetor.
Um outro fator justifica ainda, segundo Akiko Iwasaki, da Escola de Medicina de Yale, que trabalha há mais de 20 anos em vacinas de ácido nucléicos, a rapidez destas vacinas contra a Covid-19: a “sorte”. É que o SARS-CoV-2, apesar do alarmismo sempre criado em torno das suas mutações naturais, não é dos que sofre muitas mutações, nem dos que apresentam estratégias eficazes para enganar o sistema imunitário (ao contrário do VIH, do herpes ou mesmo do influenza), explica a investigadora.
Caminho aberto
Agora, muitos destes fatores podem aplicar-se ao desenvolvimento de outras vacinas no futuro. O financiamento massivo, a não ser que surja outra urgência destas, é pouco provável, mas os investigadores acreditam que a forma como as vacinas contra a Covid-19 foram produzidas vai, inevitavelmente, afetar o futuro da imunização.
“Mostrou que o processo de desenvolvimento pode ser acelerado substancialmente sem comprometer a segurança”, resume Dan Barouch, diretor do Centro de Virologia e Investigação de Vacinas da Escola Médica de Harvard, em Boston, EUA.
O uso do RNA mensageiro em vacinas, por exemplo, pode passar a ser comum. “Esta tecnologia está a revolucionar a vacinologia”, acredita Beate Kampmann, diretora do Centro de Vacinas da Escola de Medicina Tropical de Londres – simplifica o fabrico e diminui o investimento necessário.
