Foi há poucas semanas que um pequeno grupo muito particular de bebés da Califórnia, EUA, recebeu a mais desejada injeção dos dias de hoje. Trata-se de uma vacina para os proteger da Covid-19 – mas aquela imunização não está disponível para mais ninguém porque os bebés em causa não são humanos, mas macacos. Os 16 animais do Centro de Investigação de Primatas da região protagonizam um ensaio de características únicas. É que, até agora, não se iniciou qualquer ensaio de uma vacina específica para crianças nem há ideia de quando se poderá inocular os mais novos.
Isso até poderia ser algo menor, tendo em conta que a doença tem poupado as crianças e as escolas não se revelaram focos de contágio. Mas para um grupo crescente de médicos e investigadores, é uma preocupação: no seu entender, enquanto não se vacinarem as crianças não será possível vencer a Covid-19.
“Uma vacina pediátrica não ajudará só as crianças. É cada vez mais claro que pode ser a base para eliminar a Covid-19 de toda a população”, considera Sallie Permar, uma das imunologistas que coordena o tal ensaio cínico em macacos – a defender publicamente que a imunização das crianças ajuda a reduzir a propagação da doença na sua comunidade. E não é a única a pensar assim.
Segundo uma carta da Associação Americana de Pediatria recentemente enviada à FDA, a agência americana que regula a comercialização de fármacos e alimentos, é mesmo “contrário ao princípio ético da justiça distributiva permitir que as crianças assumam encargos durante a pandemia, mas não tenham a oportunidade de beneficiar de uma vacina por não terem sido incluídas nos ensaios”.
A importância das crianças…
É claro que os defensores da investigação de vacinas em crianças também sabem bem qual a razão para a prioridade estar a ser dada aos adultos, dado o número imenso de contágios e mortes dos mais velhos em todo o mundo. Além disso, os ensaios em curso também seguem as orientações dadas para o desenvolvimento de uma imunização para a Covid-19: primeiro estabelece-se a segurança e eficácia em adultos e só depois se passa para as crianças. Mas, insistem aqueles peritos, será imprudente esperar até ao fim dos ensaios para começar a pensar em adaptar o processo aos mais pequenos.
Sem grande alarido, há quem se esteja a mexer para alterar esta ordem de coisas. A Pfizer, por exemplo, já tem aprovação da FDA para incluir jovens a partir dos 12 anos nos seus ensaios clínicos, embora por enquanto apenas tenha inscrito jovens de 16 e 17 anos nesses procedimentos. Não é a única. As concorrentes Johnson & Johnson e a AstraZeneca fizeram igualmente saber que muito em breve tencionam começar a testar as suas vacinas na população mais jovem. “O registo de crianças começará assim que forem recolhidos dados suficientes em adultos”, confirmou oficialmente aquela última farmacêutica.. Ainda assim nada de entusiasmos precipitados. Afinal, há menos de um mês, o Centro de Prevenção e Controlo de Doenças (CDC) dos EUA, reconheceu que “entre as primeiras vacinas contra a Covid-19 não estarão as recomendadas para os mais novos.”
…para quebrar o processo
A questão assume uma importância cada vez maior tendo em conta que as crianças são um alvo de vacinação eficaz por várias razões. Antes de mais, porque tendem a produzir respostas imunitárias mais fortes do que os adultos, enquanto os sistemas imunitários destes enfraquecem consideravelmente, sobretudo com o avançar da idade. Como diz Koen Van Rompay, virologista que está também a participar no estudo com os pequenos símios, na Califórnia, “ao se iniciar a imunização numa idade precoce, prepara-se as crianças para uma melhor imunidade a longo prazo”.
Além disso, há um argumento muito prático. A adesão às vacinas é muito maior quando o alvo são as populações mais jovens – as taxas, de acordo com o CDC, vão dos 80 aos 90 por cento. Já os adultos revelam muito menos entusiasmo em receber as suas vacinas, e têm uma percentagem de participação muito menor. Poderemos considerar que, em regra, uma vacina Covid-19 possa atrair mais adeptos, mas há mais fatores a ter em conta – por exemplo, que a vacinação apenas dos adultos pode não permitir a tão almejada imunidade de grupo. E isso poderá estar a escapar-nos. “O que estamos a dizer”, sublinha ainda Van Rompay, “é que, se conseguíssemos quebrar o ciclo de transmissão em crianças, mais facilmente podemos ajudar a proteger a população mais velha”.