Desde que se começou a tratar os pacientes com Covid-19 que se sabe que há doentes que são mais afetados do que outros. Os casos mais críticos e mais problemáticos precisam de internamento e, na maior parte das vezes, a recuperação é demorada e dolorosa.
Ao longo destes meses, tem sido feitos vários estudos para tentar compreender o porquê de certos pacientes não conseguirem responder de forma rápida e eficaz a este vírus. A brasileira Carolina Lucas foi uma das autoras de estudo recente que analisa a resposta imunológica dos pacientes mais graves de Covid-19 e como a resposta é diferente consoante o seu estado.
A investigadora, formada no Rio de Janeiro, doutorada em Zurich e que está atualmente a realizar o pós-doutoramento em Yale, é especialista em vírus e explicou à VISÃO como foi fazer parte deste estudo.
“Eu fiquei responsável pela coordenação do isolamento de PBMCs [células extraídas do sangue] e do plasma, após cada recolha de sangue dos pacientes recebidos no hospital de Yale”. A investigadora explica que para além de recolherem as análises, a equipa ainda construiu um repositório com amostras congeladas para outros investigadores poderem usufruir das amostras para os seus estudos.
Este novo estudo, publicado pela Nature no final do mês passado, resultou de uma análise longitudinal, o que significa que foram realizadas análises a 113 pacientes ao longo do tempo. Esta análise permitiu perceber a trajetória clínica dos pacientes e concluiu que o desenvolvimento de um quadro clínico mais grave da doença está relacionado não somente com a carga viral, mas também com uma disfunção severa da resposta imune.
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Outras das conclusões é que também existem marcadores imunológicos presentes no sangue (mais especificamente no plasma), numa fase inicial da doença, que se correlacionam diretamente com as diferentes trajetórias clínicas, sendo então possível “prever” o estado clínico do paciente, o que pode ser útil para um diagnóstico precoce do tratamento e que intervenções clínicas o paciente necessita.
As formas de como o nosso corpo responde e se protege dos vírus (as respostas do sistema imunitário) podem ser agrupadas em três categorias: a imunidade do tipo 1 que é direcionada contra vírus e contra certas bactérias que se infiltram nas nossas células; o tipo 2, que luta contra os parasitas, como vermes, que não invadem as células; e o tipo 3, que combate fungos e bactérias que podem sobreviver fora das células. Cada uma destas respostas usa diferentes citocinas (componentes que interferem no comportamento das celulas) para despertar diferentes subconjuntos de “lutadores moleculares”.
Carolina Lucas explica que estes tipos de respostas variam consoante o estado clínico do paciente. “Em pacientes com um quadro clínico moderado, uma resposta com características de tipo 1 (a resposta esperada contra vírus) é observada e o controlo da carga viral acontece de uma forma mais eficiente com uma consequente melhora clínica”. O caso muda quando se trata de pacientes com condições mais graves: “Em pacientes que desenvolvem quadros mais severos, o vírus é controlado de uma forma mais lenta, deficitária, acompanhado por uma disfunção da resposta imunológica, com liberação de citocinas e ativação de componentes celulares, presentes nos três tipos de imunidade descritas ( 1, 2 e 3)”, explica a investigadora. Esta resposta desorganizada “culmina numa resposta inflamatória excessiva, e está relacionada com uma resposta mais difícil”.
“Sendo assim, um importante aspeto deste trabalho foi demonstrar essa incapacidade de um controlo viral eficiente associado às respostas imunes disfuncionais que estão envolvidas com o desenvolvimento de casos mais graves e fatalidades. Então evitar a infecção é essencial”, conclui a investigadora.
Assim, Carolina Lucas alerta ainda para a necessidade de nos protegemos. “O uso de máscaras, a higienização das mãos, distanciamento social e evitar aglomerações são obrigatórios até termos uma vacina”, diz. “Já foi demonstrado que diferentes parâmetros representam um maior/menor risco de desenvolvimento de quadros mais suaves/graves, entre eles, a idade, o sexo biológico, o indice de massa corporal (BMI), além de outras comorbidades, como as doenças cardiovasculares, os diabetes, a hipertensão, entres outros. Mas mesmo que alguém não se enquadre nos grupos de risco, é uma obrigação social conter a propagação deste vírus, protegendo assim os grupos de risco”.