Terá já passado o pico da pandemia? É na fase de planalto que Portugal e outros países se encontram? O pior já passou, apesar do número de mortes diárias não baixar drasticamente em todo o mundo? Por estes dias a pandemia da Covid-19 também requer planeamento por parte dos governos de cada país para um lento e gradual regresso à normalidade, leia-se, regresso à rua.
Com os portugueses confinados em casa há mais de um mês, interessa perceber como vai ser o abrir de portas da sociedade. É nesta fase que se coloca a questão da imunidade, a necessitar ainda de múltiplas respostas. Quem é que está a salvo da Covid-19 e como é que isso pode ser medido? Serão os testes sorológicos existentes fiáveis o suficiente para as pessoas poderem voltar ao trabalho? Deverá ser criado um sistema nacional de passaportes ou certificados de imunidade? Ou arregimentar um “exército” de recuperados para liderar a luta do país contra o vírus?
Apesar de todas as incertezas, uma coisa é segura: não se pode assumir que o facto de uma pessoa ter estado exposta ao vírus faça com que não volte a ficar infetada e doente. Mesmo que o corpo humano aprenda a combater a doença, não se sabe quanto tempo essa provável proteção poderá durar. “A imunidade após qualquer infeção pode variar entre durar uma vida inteira ou ser quase inexistente”, afirmou o epidemiologista Marc Lipsitch, professor na Escola de Saúde Pública de Harvard ao The New York Times.
Na questão da imunidade não há só preto ou só branco. Numa extremidade fica a “imunidade esterilizante”, em que a exposição a um patógeno tende a induzir uma proteção ao longo da vida e à prova de falhas (como é o caso do sarampo.) No outro extremo, não há imunidade e o histórico de doenças anteriores parece não fazer diferença, podendo até piorar a situação. Estar imune a uma variante do vírus causadora da dengue, por exemplo, pode piorar a reação da pessoa aos outros tipos de vírus.
É no meio que poderemos encontrar o SARS-CoV-2, de modo a que as pessoas expostas não sejam esterilizadas contra outras doenças, nem deixadas totalmente indefesas. Um nível intermédio de proteção que vai diminuindo com o tempo. A robustez desse estado imunológico (impede um nova infeção ou apenas torna um segundo surto da doença menos intenso) e o período de duração dependem de vários fatores, como a genética e o género: as mulheres tendem a ter reações imunes mais fortes do que os homens.
Em 1990, um pequeno estudo voltou a expor nove doentes que tinham tido uma constipação leve ao mesmo coronavírus um ano depois. Dois terços desenvolveram um novo surto de infeção, embora tenha sido por um período mais curto. O padrão pode ser muito diferente para o SARS-CoV-2. Outra pesquisa constatou que as taxas de deterioração da imunidade podem variar bastante de pessoa para pessoa, mesmo em resposta à mesma exposição a patógenos (ou vacinas). O grau de gravidade com que uma pessoa fica doente com a Covid-19 pela primeira vez também pode fazer a diferença. Os recuperados de casos graves podem ter uma imunidade mais forte do que aqueles que são assintomáticos. Uma investigação liderada por Scott Boyd, do departamento de Patologia da Universidade de Stanford, sugere que as pessoas nesta categoria produzem níveis mais altos de anticorpos contra o vírus. Há também algumas evidências preliminares indicando que, pelo menos, algumas pessoas podem não desenvolver muita imunidade na primeira exposição.
Os recuperados de casos graves podem ter uma imunidade mais forte do que aqueles que são assintomáticos
Dados de 175 pacientes na China, que apresentavam sintomas leves, mostraram que cerca de um quarto desenvolveu apenas uma resposta imunológica fraca, medida pelos níveis de anticorpos, enquanto cerca de 5% não mostraram resposta sequer mensurável.
Na Coreia do Sul outra investigação constatou que 91 doentes recuperados do SARS-CoV-2 apresentaram resultado positivo posteriormente, o que leva a crer que foram reinfetados ou que a primeira infeção foi reativada. Também há relatos de possíveis reinfeções na China e no Japão. Questões que podem pôr em causa a fiabilidade dos testes que estão a ser feitos, ao revelarem falsos negativos que só mais tarde têm sinais da infeção inicial.
Outra possibilidade intrigante é que a exposição prévia a outros tipos de coronavírus oferece alguma proteção, pouca. Segundo Robert Garry, virologista da Escola de Medicina da Universidade de Tulane, o novo coronavírus poderá ser semelhante o suficiente aos outros coronavírus sazonais (que causam constipações comuns e desencadeiam uma resposta de memória) e tal poderia explicar a razão para a Covid-19 ser, aparentemente, menos graves em crianças do que em adultos: a probabilidade de ter tido exposição recente a outros coronavírus é maior nas crianças.
Só com mais tempo, logo mais investigação científica, as incertezas poderão dissipar-se e perceber-se como a imunidade ao SARS-CoV-2 é formada e quanto tempo tende a durar.