As imagens de satélite, publicadas pela primeira vez no The New York Times, não deixam margem para dúvidas: no final de fevereiro, foram escavadas duas grandes valas no complexo de Behesht-e Masoumeh, o maior cemitério de Qom, cidade xiita a cerca de 140 quilómetros ao sul de Teerão, onde surgiram os primeiros dois casos de coronavírus no Irão. A abertura destas trincheiras, que juntas totalizam cerca de 90 metros de comprimento, indicia que a epidemia está a fazer mais vítimas do que as autoridades iranianas admitem.
A 24 de fevereiro, precisamente na altura em que as valas estavam a ser construídas, na franja norte desta cidade santa iraniana, o Governo foi acusado de encobrir a verdadeira dimensão do surto. Enquanto o ministro da Saúde falava em 12 mortos em todo o país, um político local garantia que só em Qom já haviam morrido 50 pessoas. O ministro-adjunto da Saúde, Iraj Harirchi, negou “categoricamente” esse número, numa conferência de imprensa em que todos notaram como tossia e suava abundantemente. No dia seguinte, confirmou que ele próprio estava infetado.
A idade avançada da maioria daqueles que ocupam lugares de topo no País tem sido apontada como uma explicação para a quantidade de líderes atingidos pelo coronavírus. Além de 23 dos 290 membros do Parlamento, já morreram Mohammad Mirmohammadi, conselheiro sénior do Ayatollah Ali Khamenei, e a vice-presidente da Mulher e de Assuntos Familiares, Masoumeh Ebtekar. Esta semana, soube-se que o principal conselheiro do Líder Supremo para a política externa, Ali Akbar Velayati, também está infetado.
Os últimos dados oficiais dão conta de mais de 10 mil casos confirmados e 429 mortos. Só em Qom, cidade com 1,2 milhões de habitantes, haverámais de 800 infetados. Estas valas, tão grandes que podem ser avistadas do espaço, reforçam a suspeita de que o número vítimas mortais é muito superior.
Num vídeo divulgado pela BBC no dia 3 de março, vê-se uma pessoa a apontar para “a secção das vítimas do coronavírus”, enquanto diz: “Até agora, mais de 80 [pessoas] foram enterradas aqui, e eles [autoridades] só falam em 34 mortes.» Num outro vídeo, alegadamente gravado no início deste mês, ouvimos um homem dizer: “Um trabalhador contou-me que já deve ter enterrado mais de 250 vítimas do coronavírus. “Isto”, aponta para uma zona do cemitério, “são tudo sepulturas recentes, dos últimos dias.”
Desde o início do surto, a 19 de fevereiro, que o Irão tem sido acusado de esconder a verdadeira dimensão da epidemia no país. O regime foi ainda criticado por não ter fechado Qom aos peregrinos, ajudando, assim, a espalhar o vírus pelos países vizinhos. A situação agora é tão grave que, esta quinta-feira, 12, o Irão pediu a assistência financeira do Fundo Monetário Internacional para conseguir combater a epidemia. De acordo com o governador do Banco Central iraniano, Abdolnasser Hemmati, serão necessários cerca de 5 mil milhões de dólares.