O óleo de peixe é, há muito tempo, associado a benefícios relacionados com o controlo dos níveis de colesterol, com o aumento de energia e melhoria do humor, entre outros. Isto porque contém ácidos gordos do tipo ómega 3, utilizados muito frequentemente como suplementos alimentares. Há alimentos que já contêm esta substância naturalmente, principalmente peixes como a sardinha e o salmão.
Também o óleo de fígado de bacalhau, que muitas crianças, principalmente nos anos 90, tomaram durante o seu crescimento, têm este ácido gordo, assim como alguns frutos secos como a noz, as sementes de linhaça e as sementes de chia, que têm um tipo de ómega 3 positivo para o organismo. Mas em quantidades limitadas.
De acordo com uma investigação recente, os suplementos à base de ómega 3 não são assim tão essenciais à manutenção da saúde, principalmente quando o assunto é o coração. Na análise, que compilou, comparou e avaliou 79 pesquisas médicas com mais de 100 mil pessoas, os investigadores descobriram que, no que diz respeito ao risco de ataques cardíacos ou outros problemas coronários, risco de morte e de acidentes vasculares cerebrais, os suplementos de ómega 3 não fizeram quase diferença nenhuma na sua diminuição.
Mas, afinal, porque é que continuamos a olhar para o ómega 3 como uma solução necessária?
O fascínio pelo ómega 3 já é uma história antiga. Durante a Revolução Industrial, e com o crescente número de casos de raquitismo em crianças provocado pela deficiência de vitamina D no organismo, foi criado um produto à base de óleo de fígado de bacalhau que, alegadamente, resolveria o problema. Isto porque, como se sabe, este óleo é rico em vitamina D.
Através de uma campanha internacional de sucesso, o farmacêutico norueguês que criou o produto, Peter Möller, conseguiu fazer com que o uso de óleo de fígado de bacalhau se tornasse regular e, passados uns tempos, já tinha 70 fábricas com o seu nome. O óleo de fígado de bacalhau ganhou rapidamente fama e tornou-se imprescindível.
Mais tarde, na década de 70, uma análise feita por investigadores dinamarqueses a uma comunidade da Gronelândia revelou que estas pessoas, além de seguirem uma dieta rica em ácidos gordos como o ómega 3, também tinham taxas mais baixas de doenças cardíacas .
Os cientistas associaram esses valores à elevada ingestão de ómega 3 e, portanto, concluíram que este ácido gordo ajudava a reduzir o risco de se vir a ter uma doença cardíaca. Esta conclusão foi apoiada por estudos laboratoriais posteriores, que mostraram que o ómega 3 estava envolvido em reações anti-inflamatórias.
Este tipo de estudos, denominados estudos clínicos randomizados controlados, pretendem testar a eficácia ou os efeitos secundários de um produto terapêutico numa população de pacientes. Utilizam sempre um grupo de doentes em que se administra o produto (neste caso, o suplemento de ómega 3) e outro em que se lhe dá um placebo. Ao fim de algum tempo, analisam-se as diferenças entre os dois grupos.
Mas sempre que estas investigações revelam que determinado suplemento não tem qualquer efeito nas pessoas, os apoiantes do ómega 3 contrapõem e tentam arranjar explicações para esses resultados.
Em relação à desacreditação do ómega 3, nos últimos tempos, Ellen Schutt, diretora executiva da Global Organization for EPA and DHA Omega-3s, diz ao The Guardian que os media são os grandes responsáveis. “Claro, as histórias negativas [sobre o ómega 3] são as que chamam a atenção das pessoas”, afirma. “Como ambos sabemos, as histórias negativas são muito mais interessantes e os media são definitivamente os culpados pelas manchetes sensacionalistas à procura do clickbait, como: “O ómega 3 não funciona”, defende. Mas a verdade é que há cada vez mais estudos que desvalorizam o efeito deste tipo de suplementos no que diz respeito a problemas de coração.
Um negócio gigante – e terrível – para o ambiente
Segundo o The Guardian, o sistema de extração de óleos de peixe consome milhões de toneladas de vida marinha todos os anos. Hoje, um em cada quatro quilos de peixe capturado é reduzido a óleo e farinha e utilizado para a agricultura, pecuária e, mais recentemente, para a piscicultura. Mas este negócio começou antes de os suplementos de ómega 3 se tornarem populares: uma indústria que utilizava o mesmo tipo de animais ricos em ómega 3 surgiu para se produzir um remédio para fins agrícolas e industriais.
Entretanto, ao longo do tempo, outras espécies foram afetadas por esta indústria: até ao final do século XIX, matavam-se baleias com o objetivo de produzir o famoso óleo de baleia, que servia, posteriormente, para iluminar casas e ruas. Já no início do século XX, as baleias eram mortas para se produzir margarina e nitroglicerina, por exemplo. Das 400 mil espécies existentes no oceano antártico, desapareceram 300 mil.
Na segunda metade do século XX, os peixes pequenos e oleosos como anchovas, sardinhas e o arenque foram os “escolhidos”. Mas uma das maiores reduções de espécie deu-se no final dos anos 40, com a procura desenfreada da anchoveta peruana, que vive entre as costas do Peru e do Chile. Na altura, eram utilizadas para a produção de fertilizantes.
Nos anos 80 e 90, as anchovas serviram, maioritariamente, de alimento a peixes como o salmão, mas agora o seu uso também está direcionado para a produção de suplementos alimentares.
Anchovas e dezenas de outras espécies são reduzidas a farinha e óleo de peixe, fazendo com que sejam removidas do oceano mais de 20 milhões de toneladas por ano. Claro que a indústria relacionada com o ómega 3 tem resposta para isso: algumas marcas estão a aproveitar para o produzir à base de algas e óleo de peixe recuperado de subprodutos reciclados, sendo uma opção mais sustentável.
Mais recentemente, o krill antártico, uma espécie-chave no ecossistema antártico, próxima da base da cadeia alimentar, e que serve de alimento a animais como focas, pinguins, lulas e peixes, por exemplo, também começou a ser utilizado para a produção de suplementos à base de ómega 3. Esta situação causa um desequilíbrio enorme no escossistema, já que se está a remover do mar o alimento da maior parte das espécies de maiores dimensões.