Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos.” A frase, roubada a Charles Dickens e à abertura de O Conto de Duas Cidades, aplica-se, em História da Moda, à década de 80, quando a consagração de grandes criadores contemporâneos como Azzedine Alaïa e Giorgio Armani conviveu alegremente com casacos amplos como arcos de triunfo e perneiras de lã com sandálias de salto. Soa estranho? Talvez não, até porque muitas destas tendências estão prontinhas a insinuar-se de novo nas nossas vidas, reabilitadas por marcas insuspeitas de mau gosto como Gucci, Dolce & Gabbana, Dior ou Stella McCartney que, há vários anos, tem uma valiosa parceria com a Adidas.
As coleções de primavera-verão 2018 não deixam margem para dúvidas, devolvendo às ruas, aos escritórios e mesmo à vida noturna homens e mulheres com peças de vestuário que habitualmente só usariam no ginásio. Há fatos de treino sumptuosos assinados pela Gucci, calças da Balmain a que nem sequer falta a risca de lado para parecerem trainers e casacos de cores incandescentes para homem. Há uma década, usá-lo-iam para lavar a viatura aos domingos. Agora traz a etiqueta da Fendi e pode muito justamente ser levado à reunião de trabalho importante ou ao jantar romântico. Em certa medida, o sportswear é o novo dress to impress.
A sedução da roupa desportiva e o próprio prestígio social do desporto são coisas relativamente recentes na História do Ocidente. A exceção (que confirma a regra) eram as práticas relacionadas com a equitação, só possíveis entre quem possuía o bastante para comprar e manter a montada em boa forma. A grande revolução para homens e mulheres, também nesta área, aconteceu nos anos imediatos à Primeira Guerra Mundial, quando o suor e o aspeto bronzeado deixaram de ser tristes apanágios das classes trabalhadoras, para se transformarem em possíveis evidências de saúde e boa forma física ao alcance dos elegantes e ociosos.
Em breve, criadores de moda, como Coco Chanel, “surfavam” esta “onda” e levavam para a vida urbana roupa claramente inspirada nas práticas desportivas, proporcionando às mulheres uma liberdade de movimentos de que nunca tinham gozado. E teríamos a sociedade elegante da Europa e Estados Unidos a usar vestidos curtos, inspirados no ténis, e calças de golfe em garden-parties, com o elegante Príncipe de Gales (futuro Eduardo VIII) e numerosas “estrelas” de cinema a ditarem a tendência.
A “revolução” sintética
A Segunda Guerra Mundial abalou profundamente as estruturas da sociedade, mas ampliou a indústria têxtil de uma maneira que nem a visionária Coco Chanel poderia ter antecipado. Fibras sintéticas (à cabeça das quais surge, naturalmente, o nylon) tinham sido exploradas, nomeadamente nos Estados Unidos para serem utilizadas em todo o género de artefactos militares, desde mochilas a paraquedas. Findo o conflito, vê-las-emos reaparecer em pulôveres, vestidos, tops, fatos de banho, calções desportivos e roupa para ski, proporcionando um conforto e uma resistência a sucessivas lavagens que o algodão nem sempre garantia. Dessa revolução tecnológica beneficiaram empresas como as alemãs Adidas e Puma, ou a norte-americana Nike.
Nas décadas seguintes, com a moda em crescente processo de democratização, veremos as marcas de sportswear com preocupações estéticas cada vez mais acentuadas, nomeadamente ao nível da coordenação das cores. Por outro lado, há que referir a importância da adoção espontânea de roupa até aí reservada aos recintos desportivos (calçado, camisolas e bonés – os caps – de basquetebol, sobretudo das equipas de sonho que integram a NBA). Se nem todos têm altura ou talento para o basquetebol, podem, pelo menos, usar o cap ou a camisola e apropriarem-se, assim, um pouco da aura dos seus ídolos. Não por acaso, um dos modelos de calçado desportivo mais bem sucedido dos últimos anos terá sido o Air Jordan XI, concebido pelo designer Tinker Hatfield para a superestrela dos Chicago Bulls, Michael Jordan.
Este fenómeno de mimetismo dos ídolos do desporto teve o seu momento alto nos anos 80, com novas formas de dança urbana a invadirem pequenos e grandes ecrãs. Em 1981 era lançado o primeiro livro de Jane Fonda sobre ginástica aeróbica, que se transformou num sucesso instantâneo à escala global. Bodies coloridos e perneiras de lã adquirem direitos de cidadania dentro e fora dos ginásios. Com a estreia do filme Flashdance (1983) e da série televisiva Fame (1982) o sucesso transforma-se mesmo em mania. O guarda-roupa próprio da dança moderna é adotado entusiasticamente mesmo pelos mais empedernidos pés de chumbo. Todos sonham com os feitos de Leroy Johnson, o carismático aluno negro da Escola de Artes mais famosa de sempre. Para coroar esta paixão pelo desporto, em 1986 o grupo de hip-hop Run DMC grava My Adidas, estabelecendo, assim, uma parceria milionária com a marca alemã.
O prestígio da dança e do basquetebol seria igualado, nos anos seguintes, pelos desportos náuticos. Marcas como a Rip Curl e a portuguesa Ericeira inspiram-se no universo muito próprio do surf, enquanto outras como a Ralph Lauren ou a Gant tentam reproduzir o charme discreto dos muito ricos velejadores de Martha’s Vinyard. Na moda, mas em particular no sportswear, o importante é jogar com a ideia de que basta uma peça de vestuário para chegar mais rápido, mais alto, mais forte. Ou para aproximar, num passe de mágica, o fã do seu longínquo ídolo.