Um relatório recente da Agência Europeia do Ambiente refere que 30% da população europeia e 20% do território europeu são afetados pelo stress hídrico e que esta situação se irá agudizar à medida que as alterações climáticas irão gradualmente provocando um aumento da frequência, intensidade e duração das secas.
Se, por um lado, as alterações climáticas vieram reduzir os recursos hídricos disponíveis, por outro, o aumento de usos consumptivos tem vindo a colocar maior pressão nas disponibilidades de água. Maior procura e menor oferta resulta no aumento da escassez de água, que tendencialmente passa de conjuntural a estrutural em algumas parcelas do território, como as regiões do Mira, do Algarve e do Oeste.
Para superar estes desafios, exigem-se novas abordagens integradas. Desde logo, um maior esforço na utilização eficiente da água, mais colaboração e articulação entre os setores utilizadores da água e a mobilização de origens de água não convencionais: a dessalinização e a reutilização.
Todos os anos, no nosso país são rejeitados para os rios e para o oceano quase 600 milhões de m3 de águas residuais tratadas. Com um tratamento adicional, uma parte destas águas pode ser utilizada para usos não potáveis, aumentando as disponibilidades de água para os setores económicos que dela necessitam. Este é um verdadeiro desígnio ambiental e geracional.
O Grupo Águas de Portugal tem em curso um programa nacional para a reutilização, com o objetivo de mobilizar progressivamente cerca de 100 milhões de m3 de água reciclada por ano para a agricultura, turismo e usos municipais. São vários os exemplos de projetos de reutilização já em operação, em parceria com municípios e com os setores económicos. Por exemplo, o campo de golfe dos Salgados, em Albufeira, é regado com água reciclada. Em Lisboa, os terrenos onde se irão realizar as Jornadas da Juventude estão a ser regados com água reciclada.
No Algarve, 16 campos de golfe terão parte das suas necessidades de água satisfeitas a partir de água reciclada. O perímetro hidroagrícola da Várzea de Loures, com 700 ha de área regada, será irrigado com água reciclada proveniente da ETAR de Frielas. No pólo industrial de Sines, está em desenvolvimento a transformação da grande instalação de tratamento de águas residuais industriais para a produção de 10 milhões de m3 anuais de água para reutilização a consumir pelas indústrias da região.
A primeira fase deste programa está focada na procura de água reciclada nas proximidades das ETAR. Mas é preciso ir mais longe e avaliar a viabilidade de transportar grandes volumes de água reciclada dos principais centros produtores até aos grandes consumidores, essencialmente a agricultura. É o caso da Lezíria do Tejo, que poderá vir a beneficiar das águas produzidas nas ETAR da Grande Lisboa e assim aumentar a resiliência face às variações do volume de água disponível no Tejo e ao avanço da intrusão salina. Ou o projeto Alviela XXI, que possibilitará a rega de 2 400 ha. Este e outros projetos estão em fase de desenvolvimento, em articulação com os potenciais utilizadores.
Portugal é reconhecido internacionalmente pelas mais importantes instituições como um caso de sucesso nos serviços de abastecimento de água e saneamento. Nas últimas décadas, o País evoluiu para indicadores de qualidade e universalidade que comparam com os melhores, a nível mundial.
Esta é a década da construção de um novo paradigma de gestão integrada da água baseado em abordagens inovadoras, nas quais a reutilização é uma delas. Mais eficiência no uso da água, mais disponibilidades, mais resiliência: é nestas linhas que estamos a desenvolver, nos territórios, programas de medidas que reforçam a resiliência e que permitem garantir condições básicas do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas. Nunca antes as políticas públicas de desenvolvimento dos territórios estiveram tão relacionadas com a gestão da água.
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