Quando Fernando Pessoa exaltou os desafios e as dores da partida dos portugueses pelos mares, em busca de novos mundos, ainda não tínhamos acordado para um dos maiores pesadelos que hoje enfrentamos, as alterações climáticas, que agora ameaçam a nossa própria existência no planeta Terra. Passados 90 anos, a mensagem do “Mar Português” assume uma perspetiva terrena: é a nossa ação que coloca sobre os oceanos “o perigo e o abismo”, patente na poluição, sobrepesca, aquecimento global, acidificação dos oceanos, fenómenos climáticos extremos.
Felizmente, as iniciativas para dinamizar a proteção deste território marinho disposto ao longo de 70% da superfície do planeta sucedem-se, em parte sob a égide das Nações Unidas. Entidades e empresas por todo o mundo são chamadas a acompanhar iniciativas como os Princípios dos Oceanos Sustentáveis da UN Global Compact.
Portugal, que a partir do extremo ocidental da Europa deu novos mundos ao mundo através do Atlântico, Índico e Pacífico, tem mantido ao longo dos tempos uma relação sempre muito próxima e comprometida com o oceano.
Já em 1998, na exposição mundial, exaltávamos os Oceanos como património de futuro. Nestes dias, também convergem para Lisboa pessoas, entidades e governos dos quatro cantos do mundo, para a Conferência dos Oceanos, tendo na agenda a urgência de inovar, cooperar e agir para “Salvar os Oceanos, Salvar o nosso Futuro”.
Os sinais de degradação social e ambiental no planeta mobilizaram os países da Organização das Nações Unidas para uma agenda de desenvolvimento sustentável balizada em 2030 e com um patamar de exigência claramente estabelecido pelo mote “transformar o nosso mundo” e assente em 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Entre o ODS6-Água potável e saneamento e o ODS14-Proteger a Vida Marinha existem importantes pontos de interseção. O oceano faz parte do ciclo hidrológico, ligando os reservatórios de água do planeta através dos processos de evaporação e de precipitação. Por seu lado, vindos de terra, ao oceano chegam nutrientes, sais, sedimentos e (infelizmente) diversos poluentes que ameaçam o funcionamento dos ecossistemas marinhos.
O nosso país tem dado passos importantes nesta relação entre a água doce e a água salgada, por exemplo na melhoria substancial da qualidade da água que é devolvida aos meios hídricos por via de investimentos feitos nos sistemas de recolha e tratamento de águas residuais. Com esse incremento vieram também a melhoria da saúde humana e do ambiente, a qualidade de vida no interior e no litoral, o turismo, a atividade empresarial nas praias fluviais e marítimas, o desenvolvimento económico, a coesão territorial.
Lembro-me bem quando, nos anos 70, cheguei a Lisboa para frequentar a universidade, vinda de uma aldeia do interior alentejano, onde a água para beber era, então, já escassa e o oceano apenas uma miragem. Foi um regalo passar a ter o oceano tão perto mas só muito mais tarde me foi possível usufruir do privilégio, que partilho com quem vive nesta capital europeia “à beira mar plantada”, de ter ao pé da porta uma linha de praias de tão elevada qualidade.
Integrei o Grupo Águas de Portugal na transição para o século XXI e em 2008 fui chamada ao desafio da sustentabilidade. Na altura, fazia parte da “tribo de mudança” precursora do ecossistema de empreendedorismo social, impulsionada por outros protagonistas da sustentabilidade e lutando para conquistar espaço. Comprometemo-nos com os 10 Princípios da UN Global Compact, pusemos na nossa agenda os ODS e desenhámos um roteiro de sustentabilidade com objetivos e metas bem definidos.
“Estar” no maior Grupo do Ambiente em Portugal, que já respeitava no seu ADN todos os ESG (somos ambiente, somos social, somos governança), era uma enorme responsabilidade e um orgulho que se perpetua até hoje.
Fazer parte de um mundo maior, e fazer a nossa parte, deve ser um propósito que nos una a todos, pelo futuro!