Investigadores do Departamento de Psicologia da Universidade Nacional de Singapura realizaram testes a calaus-orientais que resultaram na descoberta da sua capacidade de entender a “permanência do objeto” – noção de que um objeto ainda existe, mesmo quando já não o vemos ou sentimos a sua presença através de outros sentidos.
O calau-oriental (Anthracoceros albirostris) é uma espécie de ave que habita principalmente as zonas da África Subsariana e do sul da Ásia. A sua capacidade de adaptação a vários ambientes é notável, dizem os cientistas. Até à data, pouco se conhecia sobre as suas capacidades cognitivas.
A capacidade cognitiva em estudo apresenta uma série de benefícios para a espécie essenciais para a sua sobrevivência. A ave asiática tem vantagens na busca de alimentos e a evitar predadores. Num exemplo prático, se uma presa que se esconde num buraco de uma árvore souber que o seu predador continua a existir no exterior, mesmo estando fora de vista, terá probabilidades mais altas de sobreviver.
O estudo, publicado na revista científica Biology Letters, teve como base teórica as seis fases de permanência do objeto definidas por Jean Piaget, psicólogo que se tornou relevante no estudo da psicologia evolutiva durante o século XX. Os estágios apresentam uma dificuldade progressiva, experienciada pelos bebés humanos na fase de desenvolvimento dos primeiros dois anos de vida.
Os pesquisadores submeteram aos testes uma amostra de seis calaus – três fêmeas e três machos – previamente treinados para encontrar uma recompensa escondida, indicando-a com o bico. A experiência consistiu em sete testes de permanência do objeto que envolvem deslocamentos visíveis e não visíveis das recompensas. A condição para passar à próxima etapa é completar pelo menos dez tentativas corretas na mesma fase.
Na quinta etapa, os calaus observaram uma recompensa a ser colocada num copo e a ser movida para outro. As aves demonstraram entender o deslocamento do objeto, apontando com o bico o copo que tinha a recompensa. Todos os animais apresentaram um comportamento consistente, demonstrando a presença da característica cognitiva em análise.
Na etapa final, o ato de mover o objeto de um copo para o outro não é visível aos calaus, propositadamente. Apenas três dos pássaros conseguiram descobrir que o copo estava vazio porque a recompensa possivelmente foi colocada por baixo de outro copo, mesmo que não tenham observado essa movimentação. A compreensão do deslocamento invisível, dizem os cientistas, é complexa e envolve várias habilidades cognitivas, como a memória, o raciocínio espacial e a inferência lógica.
As três aves que completaram a última etapa tinham experiência de reprodução e as que falharam, não. Esta descoberta intrigante, segundo os investigadores, levanta a possibilidade de que passar pelo processo de reprodução possa ser um fator crucial no desenvolvimento cognitivo dos calaus. Neste processo, a fêmea, prestes a pôr ovos, fecha-se dentro de uma cavidade feita de lama, saliva, casca de árvore e frutos, e o macho exerce a função de alimentar a mãe e as crias sem estabelecer nenhum contacto visual. Isto exige a noção de que a fêmea continua a existir mesmo quando está escondida, solidificando a sua compreensão do deslocamento invisível.
Contudo, os pesquisadores explicam que, devido à amostra ser pequena, a correlação estabelecida pode ser uma mera consequência. Os três calaus que falharam nas tarefas são aves que foram resgatadas do ninho quando eram bebés. Os calaus orientais têm um período de desenvolvimento longo sob os cuidados parentais, permanecendo no ninho cerca de dois meses. A explicação alternativa para estes resultados, apresentada na pesquisa, é que estas aves não estavam ainda totalmente desenvolvidas, sugerindo que a presença no ninho pode ser crítica na sua evolução cognitiva. .
Nathan Emery, investigador da Royal Society, especializado no estudo do comportamento animal, afirma que o surgimento de habilidades cognitivas sofisticadas está associado a condições específicas, nomeadamente uma dieta omnívora, um comportamento social desenvolvido, um tamanho relativamente grande do cérebro e a adaptabilidade a um habitat.
O especialista acrescenta que o cérebro dos papagaios é maior do que o da maioria das aves e semelhante ao dos primatas, e, notavelmente, o tamanho do cérebro dos calaus-orientais ultrapassa o de algumas espécies de papagaios, considerados dos animais mais inteligentes do mundo. Emery acrescenta que a espécie demonstra altos níveis de sociabilidade e uma grande capacidade de adaptação em vários domínios. Todas as espécies de calaus asiáticos normalmente habitam apenas em florestas e são animais frutíferos. Os calaus-orientais, no entanto, foram capazes de se adaptar a áreas semiurbanas e rurais e de adotar uma dieta mais diversificada, tornando-se omnívoros.