Entre ondas de calor e inundações, as cidades são particularmente afetadas pelos impactos das alterações climáticas. Mas estarão preparadas para os enfrentar? “Nim”, diz Hugo Espírito Santo, da McKinsey & Company. “Temos um clima em mudança, e temos de ser capazes de responder a estas mudanças. Há um impacto a vários níveis. A nível global, o aquecimento é o mais notório, mas temas como as secas e as inundações… 60% da população mundial vai ver em zonas de seca em 2025; há uma probabilidade quatro vezes maior de inundações”, avisa o consultor, na Conversa Verde da VISÃO.
Em Portugal, continua, “há três ou quatro dimensões relevantes”, destacando a seca, os incêndios florestais, o turismo e o setor dos seguros. “Primeiro, a seca: se continuarmos neste caminho, em 2050 teremos mais de seis meses de período de seca por ano, o que é absolutamente incomportável. Segundo, a área ardida: nos anos mais críticos, a floresta deixa de ser um sequestrador de carbono e passa a ser um emissor de carbono. Terceiro, à medida que vamos tendo mais calor, teremos consequências no turismo. Há uma regra que diz que acima dos 37 graus é pouco provável haver turismo. Quantos mais dias tivermos acima dos 37, pior será o impacto no turismo, que vale 15% do nosso PIB. Por último, há também um aumento do custo dos sinistros: estima-se que, até 2050, teremos mais 50% de custo de sinistros.
Grande parte do impacto das alterações climáticas incidirá sobre as cidades, sublinha Hugo Espírito Santo. A questão do calor, por exemplo, é uma preocupação séria, devido ao “efeito ilha de calor” nos centros urbanos (o betão e o alcatrão fazem aumentar a temperatura sentida). Apesar de esse poder ser um handicap no nosso país, que será um dos mais afetados pelas ondas de calor, Portugal apresenta algumas vantagens no contexto europeu. “Temos uma taxa de emissões de carbono mais baixo do que a média europeia – 5,4 toneladas contra 8,5 no resto da Europa. Começamos numa boa base, e temos de nos orgulhar disso. Além disso, temos sol e vento. O sol é o novo petróleo… E há o benefício do clima temperado, pelo que o peso das emissões dos edifícios é mais baixo do que no resto da Europa, porque não necessitamos tanto de os aquecer.”
Mas há desafios, acrescenta. “Um deles tem que ver com os transportes. Por várias razões, o nosso modelo de desenvolvimento levou-nos a ter um grande peso relativo das emissões no setor dos transportes. Temos pouca ferrovia. Tudo o que é transporte de mercadorias pesa muito. E obviamente também o facto de utilizarmos muito mais as nossas viaturas privadas. Vamos ter de resolver esse problema.”
Mesmo no caso dos edifícios, muito trabalho está por fazer. “Precisamos que as cidades portuguesas percebam o que é o edifício do futuro, mais eficiente, com formas autónomas de produção de eletricidade, e que do ponto de vista térmico são construídos de forma diferente, com maior capacidade de refletir o sol. Agora, isso não se muda rapidamente. Ao mesmo tempo, temos de incentivar a renovação de edifícios. Isso é uma prioridade enorme. Há muitos programas em curso e muita iniciativa privada. Mas tem de ser muito mais incentivado. Ajuda explicar porque é que investir em painéis solares num prédio faz sentido económico para os condóminos. Investir em impermeabilizar as paredes e reforçar as janelas faz sentido, e as coisas acontecem. Há que incentivar os comportamentos certos em vez de proibir os errados.”
A McKinsey fez recentemente um estudo, em conjunto com a C40 (uma rede mundial de cidades preocupadas com as alterações climáticas), que aponta para os quatro temas a que as cidades devem tomar mais atenção. “Planeamento (avaliar o risco, entender os impactos), pensar nas respostas de emergência (como reagir de forma rápida num evento extremo), o financiamento dos seguros e, por último, como recuperar depois de um desastre natural”, explica o consultor. “Esta é uma discussão não só política, mas também técnica. Tem de haver um debate técnico, suprapolítico.”
Para ouvir em Podcast