Há quatro mil milhões de pessoas em escassez alimentar. Ao mesmo tempo, o mundo manda para o lixo um terço dos alimentos que produz. É este desencontro que torna o desperdício alimentar sobretudo um problema moral. Mas a questão da sustentabilidade também não pode ser ignorada. Estima-se que a comida não consumida seja responsável por 6% das emissões totais de gases com efeito de estufa – mais do triplo das emissões da aviação.
Entre as várias iniciativas para tentar reduzir o desperdício, encontra-se a Phenix, uma plataforma tecnológica francesa. “Conectamos grandes produtores e retalhistas com as IPSS, agilizando as recolhas, medindo o volume de quebra diário na loja, sabendo exatamente o que temos de ir recolher e como distribuir”, explica Frederico Venâncio, diretor-geral da Phenix Portugal, na Conversa Verde desta semana. “Uns anos mais tarde, decidimos lançar a Phenix app, focada no comércio local: colocamos o excedente alimentar ou outros produtos orgânicos, como flores, num cabaz e o consumidor pode ir recolhê-lo à loja.” Esses cabazes, que podem ser, por exemplo, de uma pastelaria ou de um restaurante (como um menu do dia que sobrou do almoço, vendido ao final da tarde), são comercializados com descontos “não inferiores a 60%”.
Uma das dúvidas de muita gente é qual a motivação das grandes empresas, como supermercados, em doar os produtos que se aproximam do fim do prazo de validade ou que por qualquer outra razão perdem valor comercial. A verdade é que há benefícios fiscais, que se juntam à responsabilidade social, explica Frederico Venâncio. “Os retalhistas recuperam parte do IVA dos produtos e, dependendo da regulamentação do país, vão ter um benefício fiscal com as doações. Em Portugal, pode ir aos 38%, 40%. Há outros países onde até é crime não doar. Em Portugal, o foco principal é financeira, mas também social, porque conseguimos ajudar milhares de famílias, e ambiental, ao evitarmos emissões de CO2 com o tratamento de resíduos.” O gestor garante que a Phenix já conseguiu evitar “22 mil toneladas de CO2, que corresponde a 19,5 milhões de refeições doadas”.
Dicas domésticas
O responsável da Phenix Portugal lembra que “um terço de tudo o que é produzido acaba no lixo”, o que “corresponde a uma área cultivada quase da dimensão da China”. “São números estapafúrdios, mas estamos a evoluir. Já se começa a falar muito deste assunto, embora ainda não seja muito visível. Continuamos por todo o mundo com uma cultura de prateleiras cheias. E também aí temos de trabalhar. Mas estamos a ir no caminho correto. Tenho pena que não seja falado no famoso incentivo da ‘bazuca’. Não encontramos lá nada sobre o combate ao desperdício alimentar.” Por outro lado, continua, “as pessoas ajudadas com o desperdício tentam resguardar-se, e isso também torna o tema muito menos visível.”
A maioria dos alimentos perde-se na produção, na logística e no retalho. Uma parte significativa, porém, acaba no lixo doméstico. “Trinta por cento do desperdício alimentar está nas nossas casas”, diz. “Tem de passar por nós esta cultura e sensibilização. Mas já começamos a ter outro tipo de consciência.”
Até porque não é assim tão difícil fazer a nossa parte: basta mudar certos hábitos. O desperdício em casa deve-se às nossas “não tão boas práticas, como ir às compras sem ter uma lista de compras, não fazermos um planeamento das refeições e não aproveitar os remanescentes dos produtos”, sublinha Frederico Venâncio, que partilha algumas das dicas que ele próprio começou a seguir em casa. “Com cascas e talos que iriam para o lixo faz-se sopas e batidos, casca de batata frita é ótima com maionese, o que sobra do tomate que picamos pode ser congelado e usado mais tarde noutro refogado… E compro a granel sempre que possível.”
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