O mundo não está no bom caminho para limitar o aquecimento global a 1,5ºC ou mesmo 2ºC, como estipulado no Acordo de Paris. Mas há indicadores positivos, sublinha Pedro Matos Soares, investigador principal no Instituto D. Luiz, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que estuda as alterações climáticas em Portugal há mais de 20 anos. “Trump foi um retrocesso em tudo. Deu sinais desintegradores da sociedade e dos nossos valores. Do ponto de vista de ação climática, Joe Biden é uma lufada de ar fresco.”
O novo presidente americano mostrou logo ao que vinha: no próprio dia da tomada de posse, minutos depois de entrar pela primeira vez na Casa Branca enquanto líder dos EUA, assinou uma ordem executiva para o país reentrar no Acordo de Paris, que Trump havia abandonado, e outra a cancelar o oleoduto de Keystone XL.
A prioridade dada a estes assuntos foi de um simbolismo óbvio. “Apesar de estarmos em pandemia, Biden não relegou a ação climática para um segundo plano. Quis dar um sinal muito claro de que o primeiro desafio da humanidade neste momento, do ponto de vista político e social, são as alterações climáticas”, diz Pedro Matos Soares, na conversa semanal da VISÃO VERDE.
É um bom auspício para a Conferência das Partes anual da ONU, que este ano será em Glasgow, Escócia, em novembro (a cimeira climática deveria ter acontecido o ano passado, mas a pandemia adiou-a). Mas é preciso fazer muito mais, avisa. “O ponto de partida para Glasgow é percebermos que o Acordo de Paris está muito longe das nossas necessidades de manter o aquecimento global no final do século a 1,5ºC ou 2ºC. Estamos no caminho de 3ºC a 3,2ºC de aquecimento. Glasgow tem de ter limiares de redução de emissões muito mais exigentes e mais rápidos. E tem de implementar um mercado de carbono eficiente, de apoio às economias menos desenvolvidas para uma transição energética e ação climática, até porque esses países são os mais vulneráveis as alterações climáticas.”
‘Portugal tem de fazer muito mais’
Pedro Matos Soares está a preparar um novo estudo multissectorial sobre os efeitos das alterações climáticas em Portugal e as medidas necessárias de adaptação e mitigação, um herdeiro espiritual dos dois grandes estudos realizados no nosso País – o SIAM I e o SIAM II (sigla para Scenarios, Impacts and Adaptations Measures), publicados em 2002 e 2006 e em que o especialista também esteve envolvido.
“Desta vez, a ambição é mais vasta: queremos quantificar o impacto das alterações climáticas e avançar com soluções, mas também quantificar o custo das medidas, a relação custo-benefício.” A investigação é apoiada por um EEA Grant, com a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a Agência Portuguesa do Ambiente e a Direção-Geral do Território também por trás do projeto.
Um projeto desta natureza é fundamental num país que, no contexto europeu, será – ou está a ser – dos mais prejudicados pelas mudanças no clima. “Verifica-se hoje um aumento da frequência e da duração de ondas de calor. Também temos um aumento de precipitação extrema, ao mesmo tempo que há uma diminuição da precipitação média. Ou seja, a precipitação ocorre concentrada em menos dias.”
Portugal até tem feito a sua parte: costuma ser apontado como um bom exemplo de política climática, sobretudo pela aposta feita nas energias renováveis. Mas Pedro Matos Soares avisa que a energia não pode concentrar todas as atenções. “Estamos no bom caminho do ponto de vista da descarbonização do setor energético. Mas existe um conjunto importante de investimentos a fazer nas soluções baseadas na natureza, que nos permitem enfrentar muitas questões ao mesmo tempo”, como a absorção do dióxido de carbono e a melhoria da biodiversidade. “Os sapais, as florestas e as pradarias marinhas são ecossistemas com grande capacidade de sequestro de CO2.” E nesse campo, acrescenta, “Portugal tem de fazer muito mais”.
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