“Preparem-se para um outono de tempestades violentas de alto risco em França”. Era este o título de um artigo no jornal francês em língua inglesa The Connexion, a 25 de setembro. No lead, lia-se: “O Mar Mediterrâneo esteve até 6°C mais quente do que o normal neste verão, tornando o sul da França particularmente vulnerável a fortes chuvas”. E, finalmente, o corpo do artigo avisava que “as pessoas devem proteger as suas casas agora contra danos causados por tempestades, já que grande parte de França corre maior risco de clima violento e inundações repentinas neste outono devido à seca e às temperaturas mais altas do mar.”
No final de novembro, a premonição parece ter-se confirmado, com grande parte do sul de França a entrar em alerta laranja devido às chuvas diluvianas que se abateram sobre a região, desde os Pirenéus Atlânticos à Córsega. Esta semana, enquanto a Península Ibérica era atingida por chuvadas intensas, França debatia-se com tempestades de neve.
Um estudo de 2016, publicado na revista Nature, já alertara para os impactos de um Mediterrâneo mais quente na precipitação na Europa Central. A investigação explicava que as águas superficiais do mar estavam a aquecer continuamente desde os anos 70 do século XX, sobretudo no verão, e concluía que esse aumento de temperatura estava a causar mais períodos de chuva intensa. “O excesso de água precipitável é transportado do mar Mediterrâneo para a Europa Central, causando extremos de precipitação mais fortes naquela região. As nossas descobertas sugerem que o aquecimento da superfície do mar Mediterrâneo amplifica os extremos de precipitação da Europa Central.”
Portugal pode estar igualmente na rota destas tempestades com origem nas águas quentes do Mediterrâneo, quando a rota segue a direção leste-oeste. Não é esse, no entanto, o caso dos fenómenos de precipitação intensa que mergulharam no caos boa parte de Portugal Continental – a origem destas tempestades é o Atlântico. Mas as águas superficiais do oceano também têm estado muito acima do habitual. Em julho, algumas zonas do Atlântico Norte encontravam-se dois a cinco graus centígrados acima da média, devido a um sistema de altas pressões atmosféricas no nordeste do Atlântico, atingindo valores nunca antes registados.
Esse sistema expandiu-se em agosto, cobrindo boa parte do Atlântico Norte e aquecendo ainda mais a superfície. As temperaturas chegaram a estar, em certas regiões, seis a oito graus acima da média. A tendência de setembro foi semelhante, com as águas muito mais quentes do que é habitual. Águas mais quentes resultam em maior evaporação, que inevitavelmente redunda em precipitações mais intensas.
Os impactos são já consideráveis. Um estudo publicado em abril na Nature Communications estimava que as alterações climáticas tenham já feito subir a temperatura média à superfície do Atlântico Norte 0,6º C, em média. A energia em excesso decorrente dessa (aparentemente pequeno) subida resultara num aumento de 10% dos fenómenos extremos de chuva, definidas pelos investigadores como “taxa de precipitação em tempestades de três horas”.
Com o acentuar do aquecimento global, os fenómenos extremos de precipitação tendem, por isso, a aumentar. As boas notícias é que o oceano aquece mais lentamente do que a atmosfera, pelo que as mudanças não serão drásticas. As más notícias é que essa inércia térmica da água é também a razão por que o mar continuará a aquecer e a expandir-se durante décadas, depois de estabilizarmos as emissões de gases com efeito de estufa.