Como é que se pode planear uma rede de produção de energia renovável sem ter em conta o impacto que as alterações climáticas terão no próprio processo de produção de energia? Quando o tema é clima, a incerteza é uma constante. Há muitas variáveis, o sistema é de alta complexidade e é difícil para o comum dos mortais, e até para os especialistas, conseguir navegar neste mar de parâmetros.
O projeto europeu Clim2Power nasceu precisamente para analisar os dados disponíveis, traduzindo a mensagem complicada e devolvendo-a já mastigada ao cidadão e em particular aos produtores de energia. “As empresas não conseguem usar os cenários de clima. É muito difícil de compreender, há uma grande incerteza, uma enorme dispersão de dados. Portanto, o que fazemos é traduzir os dados do clima, transformando-os em informação útil para o setor elétrico”, explica a investigadora Sofia Simões, coordenadora do projeto.
“As alterações climáticas podem causar mudanças significativas nos padrões do clima na Europa – com impactos positivos e negativos na produção de energia a partir de fontes renováveis. Dependendo da região, por exemplo, pode tornar-se mais ou menos ventoso, com mais ou menos sol, mais ou menos chuva. A mudança das condições irá afetar o fornecimento de energia a partir de fontes renováveis (incluindo os painéis solares, barragens ou turbinas eólicas), e pode ser positivo em alguns casos e noutros desfavorável”, resume-se na página de apresentação do Clim2Power. Por exemplo, é preciso ter em conta que a partir de um determinado valor de temperatura, começa a baixar a eficiência dos painéis solares. Ou durante uma ‘seca de vento’ uma turbina eólica não produz energia, como aliás já se viu no Reino Unido, durante o verão de 2018.
Apesar de o projeto só terminar em agosto, já há algumas conclusões, avançadas por Sofia Simões, que apresentou um poster sobre o Clim2Power no Encontro Nacional sobre Investigação em Alterações Climáticas, promovida pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e pela Lisboa Capital Verde Europeia. “Em Portugal e Espanha, prevê-se uma perda da quantidade de chuva, o que pode comprometer a produção de energia a partir de barragens. A mudança no vento também pode tornar pouco compensatória a instalação de eólicas off-shore, no Reino Unido”, exemplifica. Itália e Grécia ganharão em termos de exposição solar. “A variabilidade pode afetar o cumprimento das metas de emissão”, alerta. Mesmo assim, a investigadora mostra-se otimista. “Acho que na Europa vamos conseguir. O problema são países como a China, a Índia e os Estados Unidos.”
No mesmo encontro científico, Ana Estanqueiro, especialista em energia do Laboratório Nacional de Engenharia e Geologia, acredita que num horizonte temporal de 20 anos será possível a produção de energia ser quase 100% de origem renovável. “A expectativa é que se consiga armazenar energia em baterias, como já acontece na Austrália, com baterias desenvolvidas pela Tesla, e em sistemas de ar comprimido, guardado em cavernas, como está a ser testado na Alemanha.”
Esta energia armazenada servirá para alimentar quer os períodos de pico de consumo quer as fases de baixa na produção. Mas, para tudo isto funcionar, é preciso encarar a gestão da energia numa lógica europeia, como aliás está previsto no âmbito do mercado europeu de eletricidade em que “as perdas de uns países são compensadas pelos ganhos de outros.”