Já se desconfiava, agora é uma certeza universal: um morcego pode hospedar muitos vírus diferentes sem adoecer. Está confirmado que são o reservatório natural do vírus Marburg (conhecido por provocar uma febre hemorrágica e cujo último surto foi em 2014) e também dos vírus Nipah e Hendra, que causaram outros episódios do género em África, mas também na Malásia, Bangladesh e Austrália. Sabe-se ainda que transportam o vírus da raiva. No ano passado, bem tentaram acrescentar o Ébola à lista e agora o novo coronavírus é o mais recente candidato a esse rol – tal como foi a SARS, outra epidemia de um coronavírus, em 2002. Mas…
“Sabemos que estes vírus encontrados em humanos são próximos dos que encontramos nos morcegos, uma semelhança de 96 por cento. Ora, nós somos 98% parecidos com os chimpanzés e os gorilas, daí não ser assim tão clara a origem da infeção”, nota o biólogo Jorge Palmeirim, doutorado em ecologia e especialista em morcegos, alegando ainda que tanto pode ter havido uma mutação como uma transmissão via outro hospedeiro, aludindo a uma série de outras espécies de mamíferos consumidos pelos humanos no sudeste asiático.
E não só. “Por exemplo, quando foi do Ébola, chegou até a apontar-se a árvore em que o bicho teria mordido o rapazinho que iniciou a transmissão. Mas não se olhou para a ecologia. Aquela espécie de morcego nem sequer existe na maior parte das regiões onde se registaram casos de ébola”, acrescentando que a espécie de morcego em causa convive muito bem com humanos, nas cidades, enquanto o Ébola ocorreu mais nas zonas rurais.
A grande questão, alega aquele especialista, não é se os morcegos carregam muitos vírus. “É natural: eles vivem muito tempo, em colónias de grande densidade e locais húmidos que propiciam a propagação de viroses. Mas não saltariam para os humanos se não tivesse aumentado o consumo alimentar de animais selvagens”, alude ainda Jorge Palmeirim, a insistir que não devemos por tudo isto esquecer os efeitos benéficos das populações de morcegos.
Por exemplo, são grandes consumidores de insetos. Todas as noites, comem dezenas, centenas de mosquitos e sabemos bem como estes pequenos bichinhos foram vetores de transmissão de doenças tão mortais como o dengue, a malária ou o zika. “Que seriam bem mais graves se não houvesse animais que comessem esses mosquitos”, nota Palmeirim, garantindo ainda que o saldo é certamente positivo. “Mesmo nas cidades, como Lisboa, os morcegos dão um grande contributo para o controlo das populações de insetos”.