Se há um inseto que pode ser considerado irritante é a mosca-doméstica (Musca domestica). Para além de zumbir pela casa fora batendo insistentemente nos vidros quando quer sair, torna-se especialmente irritante quando pousa na comida. É que nós conhecemos bem a sua predileção por fezes, animais mortos ou lixo. Por isso, não é particularmente apetitoso vê-las a deliciarem-se com as nossas iguarias.
Entre as prendas que elas nos podem trazer, constam a febre tifoide, a cólera, a diarreia, a tuberculose, a lepra e 100 outras doenças diferentes. Por essa razão, esses insetos ainda são um problema nos países em desenvolvimento, onde o saneamento básico e a recolha e tratamento de lixo são deficientes. Por exemplo, todos os anos, morrem milhões de crianças nestes países em desenvolvimento devido à desidratação causada pela diarreia. A capacidade de tratamento e armazenamento de água nessas áreas até existe, mas é usada noutras coisas “mais importantes” tais como as piscinas dos ditadores locais.
Mas voltemos à mosca-doméstica. Pode parecer estranho que pertença à ordem Diptera (o que significa duas asas), mas na verdade tem um par de asas bastante visível e outro par de asas modificadas com uma dimensão muito mais reduzida, que são usadas como estruturas de equilíbrio. Supõe-se que esta espécie tenha tido origem nas estepes da Ásia Central, mas tem atualmente uma distribuição generalizada em quase todos os continentes. Ou seja, em quase todos os sítios onde existem pessoas, há também moscas que é necessário enxotar…
O modo como este inseto se alimenta também não abona muito a seu favor. É que a mosca só consegue ingerir líquidos e, portanto, vomita primeiro sucos digestivos, enzimas e saliva para digerir e liquefazer os alimentos no exterior. Depois, suga tudo com o seu aparelho bucal comprido e esponjoso, que faz lembrar um pequeno aspirador. Portanto, as moscas são como uma brigada de limpeza, prontas a vomitar e a aspirar rapidamente matéria orgânica em putrefação. Podemos não gostar muito delas, mas temos de reconhecer que dão um certo jeito.
E essa função de reciclagem da matéria morta não se resume às moscas em estado adulto. Depois dos seus ovos eclodirem, também as larvas se alimentam vorazmente de matéria orgânica até se tornarem pupas. As moscas estão mais ativas quando a temperatura varia entre os 10 e os 26.6ºC, ficando inativas com temperaturas abaixo dos 7.2ºC. Por isso, podem passar o Inverno em estado larvar ou de pupa sem se desenvolverem, em locais muito agradáveis tais como pilhas de estrume. (É curioso notar que se estuda atualmente a possibilidade do uso das larvas desta espécie para o tratamento de estrume em suiniculturas.) Após a sua transformação estar completa, emergem das suas pupas como moscas adultas com asas, prontas para gozar as suas intensas vidas cuja duração pode atingir uns estonteantes 25 dias!
Devido a estas características de gosto e cheiro duvidosos, as moscas têm uma certa má reputação na cultura popular. Figuras malévolas como as bruxas ou o próprio Satanás podem supostamente transformar-se em moscas ou ter ao seu dispor exércitos alados desses perniciosos insetos. Quanto a mim, admiro as moscas pela sua rapidez e agilidade, e também pelas suas proezas acrobáticas tais como andar numa parede vertical ou mesmo de cabeça para baixo. Admiro, claro, desde que não estejam perto da minha comida. Se estiverem, são escoltadas sob forte vigilância para outros locais em que corram menos riscos de levarem com um mata-moscas ou com uma espessa cortina de fumo de inseticida. Acho que assim é melhor para ambas as partes…
Referências bibliográficas:
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