A história parece não ter fim: avisos laranja, amarelos e vermelhos. Chuva intensa. Vento forte, muito forte, com rajadas que ultrapassam os 100 quilómetros por hora. Ondas enormes, vagas com mais de 10 metros, de 14 metros, de 17 metros. Bares de praia destruídos, paredões galgados, mirones arrastados, barcos atirados para terra, praias nuas de areia. A habitual neve, na Guarda e em Bragança, mas também no norte do distrito de Viseu, em Montalegre e nas orlas mais temperadas da serra da Estrela. E inundações, em meio urbano e agora nas bacias do Tejo e do Douro.
A crer na mitologia grega, o infernal Hades deve ter levado Perséfone para o seu covil mais fundo, deixando a terra abandonada ao frio, à chuva e ao vento. “Mas não é nada anómalo. Estas situações estão bem descritas e dependem da Oscilação do Atlântico Norte”, sentencia Carlos da Camara, 56 anos, climatologista e professor da Faculdade de Ciência da Universidade de Lisboa.
A Oscilação do Atlântico Norte (NAO, no acrónimo resultante da designação em inglês, North Atlantic Oscilation) é a grande responsável pelo tempo na Europa. O fenómeno depende dos dois centros que regulam a circulação atmosférica no Atlântico Norte: a depressão da Islândia e o anticiclone dos Açores.
Um modo de definir a NAO é através da diferença de pressões registadas nas estações de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel (ou, alternativamente, em Gibraltar) e em Reykjavík, a capital da Islândia. Quando a depressão da Islândia se revela mais intensa, ou seja, com pressões mais baixas, e o anticiclone também está mais forte, ou seja, com pressões mais elevadas, a diferença é maior. E se esta diferença de pressões fica acima da média, os climatologistas consideram existir uma situação de NAO positiva.
É precisamente o que se passa neste momento, afetando o tempo em Portugal e na fachada atlântica da Europa. “A depressão islandesa e o anticiclone açoriano decidem a posição da autoestrada das tempestades. Quando estamos numa fase de NAO positiva, o trânsito faz-se por um corredor que as traz até à Península Ibérica e ao Sul do Reino Unido. Daí o tempo quente [este janeiro foi o terceiro com temperatura mais elevada desde 1931] e húmido que se tem feito sentir entre nós. “Quando a NAO está negativa, as tempestades são afastadas para o Norte da Europa, atingindo a Noruega”, explica Carlos da Camara, que foi também vice–presidente do Instituto de Meteorologia.
CHEIAS NO REINO UNIDO
É este fenómeno atmosférico o grande responsável por um dos mais chuvosos invernos de que há memória. Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, embora a estação ainda não tenha acabado, este ano já pode ser considerado um dos mais chuvosos desde 1931. Para tal terá contribuido a tempestade Stephanie, que atingiu o continente português a partir das seis da tarde de domingo, 9. A proteção civil registou, num período de 18 horas, quase 2 500 ocorrências, a maior parte relacionadas com a destruição provocada pelo vento que, no Cabo da Roca (Sintra), registou rajadas de 140 quilómetros por hora. Os acidentes provocaram oito feridos, a maioria condutores ou ocupantes de viaturas atingidas pela queda de árvores ou de estruturas. Na Comporta (Grândola), o restaurante Ilha do Arroz ficou destruído mas o efeito mais temido, o da devastação das ondas que se previa pudessem atingir os 17 metros, não se estendeu a toda a costa.
Além de Portugal, outras frentes atlânticas europeias têm sofrido com o excesso de precipitação e com o vento forte. Em Inglaterra, a zona do Surrey está sob aviso de “ameaça de vida”, emitido pelo Met Office, o organismo inglês de previsão do tempo. Vastas zonas do Sudoeste do país estão submersas, algumas há vários dias. Nas margens do Tamisa, teme-se que o rio galgue os limites e as comportas que protegem Londres foram fechadas para evitar cheias na capital inglesa. As ligações ferroviárias também sofreram danos que obrigaram à supressão de ligações. Entre segunda e terça-feira, as autoridades resgataram mais de 150 pessoas das áreas atingidas pelas tempestades e contaram mais de 2 500 casas em risco. Para sexta-feira, está prevista uma nova tempestade, com ventos de 130 quilómetros por hora. Segundo uma avaliação realizada por peritos, os prejuízos causados pelo mau tempo podem atingir mil milhões de libras (1,1 mil milhões de euros).
MAIS CHUVA DURANTE DUAS SEMANAS
Até 23 de fevereiro, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera prevê que o tempo seja mais húmido do que é habitual. Para a “precipitação total semanal preveem-se valores acima do normal”, anuncia. Estas previsões, com um grau de probabilidade decrescente conforme se vai avançando no tempo, são realizadas pelo Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo, com sede em Reading, no Reino Unido. “O exercício que os meteorologistas executam é equivalente ao de uma pessoa que faça ricochetear uma moeda no tampo de uma mesa e tenta prever onde ela cairá. Se efetuarmos muitas vezes a experiência, verificamos que a moeda tem tendência para cair mais vezes numa certa área. As previsões a longo prazo são análogas a esta experiência “, ilustra Carlos da Camara.
Do mesmo modo se fazem as previsões semestrais, as quais têm ainda uma probabilidade mais diminuta de se confirmarem. As que dizem respeito a Portugal indicam que o trimestre entre fevereiro e abril, tomado como um todo, terá precipitação abaixo do normal para esta época do ano. Estranho? Ou a previsão vai errar, ou março e abril serão meses muito secos face ao que é habitual. A ver vamos.