Os últimos detalhes ainda estão a ser definidos, mas a “fatura da sorte” arrisca-se a ser uma oportunidade perdida de exemplo e sensibilização para um desenvolvimento sustentável por parte do Estado. O prémio escolhido, independentemente do atual contexto de dificuldades económicas que atinge a população portuguesa, dá precisamente um sinal oposto ao que seria desejável num quadro de sensibilização para um consumo mais amigo do ambiente.
Em primeiro lugar, vale a pena alertar para o facto das compras públicas estarem longe de refletir escolhas sustentáveis (não se obrigando por exemplo à aquisição de papel reciclado ou lâmpadas das mais eficientes). Em segundo lugar, havendo uma comissão para a reforma fiscal verde, é do mais contraditório possível o mesmo Estado que pretende estimular uma fiscalidade mais correta do ponto de vista ambiental, acenar agora com um prémio que, pelo que simboliza e pelo seu efetivo impacte, transmite uma imagem errada, sendo uma oportunidade perdida de apelar a um desenvolvimento mais sustentável.
Há várias razões para se considerar que o prémio é insustentável. Um automóvel é sempre um estímulo à mobilidade rodoviária individual, uma das causas principais de problemas ambientais do país: demasiadas estradas – muitas delas dispendiosas e desnecessárias, ruído, qualidade do ar, emissões de gases de efeito e estufa, entre outros impactes. Um automóvel de alta gama simboliza um desnecessário consumo de recursos – quando comparado com veículos mais pequenos, um automóvel de alta gama tem uma pegada ecológica muito maior em termos de construção; o consumo de combustíveis fósseis de um carro de alta gama é muito mais elevado, com implicações nas emissões de dióxido de carbono (precisamente um fator muito ponderado do ponto de vista ambiental na fiscalidade automóvel). Por último, caso se trate de um veículo importado, dá o sinal contrário ao que o Estado está a fazer com outras iniciativas de estímulo ao uso nacional de recursos e emprego.
Estando ainda a ser ponderadas algumas decisões quanto às características do automóvel a oferecer, pelo menos podia-se aproveitar a oportunidade para que o prémio fosse antes um veiculo elétrico. Apesar de se tratar de uma forma de mobilidade individual, tem impactes ambientais muito menores e poderá ser um incentivo ao estímulo da mobilidade elétrica, projeto que está em completa estagnação e já com forte investimento público, devendo no futuro ter um importante papel na sustentabilidade do país em termos de redução de emissões poluentes, em particular nas áreas urbanas. Já agora, a escolha de pequenos carros ou de veículos elétricos, entre os dez modelos mais eficientes presentes no mercado português (e que podem ser consultados em www.topten.pt), sempre tornaria a escolha do prémio um pouco menos insustentável.