De há um mês para cá, os meus fins de semana têm sido diferentes. Todos os pedacinhos que me sobram entre afazeres familiares e programas culturais, são aproveitados para cavar. Troquei os ténis pelas galochas, as camisolas normais por outras bem velhas, o smartphone pela enxada e os passeios por Lisboa pelo trabalho no Parque Hortícola dos Olivais. E, até agora, sinto-me bem com as trocas.
Esta ideia vem de longe. Dos tempos em que, na escola, ouvia os meus colegas dizerem que iam “à terra”. Eu andava por Lisboa, Cascais, e – vá lá – Porto. Sempre me desloquei muito mais entre cidades, onde a comida vinha diretamente dos mercados e, mais tarde, das prateleiras das grandes cadeias de distribuição. Sem problemas.
Até que fui mãe. Aos poucos, comecei a questionar-me: qual a origem dos produtos que andava a dar aos meus filhos, às refeições. As respostas não me satisfizeram – mas ajudaram-me a mudar o comportamento alimentar.
Embora continuasse a adorar o ritmo da cidade, a calma do campo passou a fazer sentido. E fora de Lisboa, já se sabe, descobre-se muita coisa acerca da origem do que escolhemos para pôr no prato. Daí a desejar ter uma horta foi um passinho.
Só há um mês concretizei esse desejo. Continuando na cidade, que é o sítio a que pertenço, ganhei uma horta de 80 metros quadrados.
Cada enxada, sua sentença
Andava atenta aos concursos da Câmara Municipal de Lisboa. Havendo tantos espaços verdes no bairro onde vivo, apostei que os Olivais teriam um parque hortícola. Entretanto, lá em casa, íamos experimentando plantar na varanda – quase sempre com frustração à mistura. Mas faça-se justiça: já comemos meia dúzia de tomates, uns quantos morangos, alguma rúcula e muita, muita hortelã ali cultivados. Nada que me apaziguasse o desejo de, realmente, pôr as mãos na terra.
Quando, em junho último, abriu concurso para a exploração de umas hortas bem perto de minha casa, corri a dar o meu nome, meio em segredo. Aos poucos, não fosse aquilo tornar-se numa realidade, fui deixando cair que estava candidata a um pedaço de terra. Aguentei o gozo da maioria dos meus amigos e a desconfiança do meu marido. Desafiei uma amiga/vizinha a entrar nesta aventura comigo – e ela aderiu de imediato. Quando – só em agosto – recebi por telefone o “sim” da Câmara, foi uma festa. Há sempre momentos difíceis. Como aquele em que percebi que tinha de parar de ouvir toda a gente sobre o assunto, de ler todos os livros e blogues acerca do tema. A agricultura não é uma ciência exata – nem sequer é ciência. Logo, cada enxada, sua sentença.
Havia que arriscar, lançar mãos à horta, esperando que a coisa corresse bem. Tem corrido.
A segunda dificuldade foi decidir o que iria ser semeado, tentando agradar a todos (os 80 metros quadrados vão alimentar diretamente sete pessoas). E também perceber o que se cultiva em outubro (e nos outros meses que hão de vir), quando é preciso regar, como se espalha o composto, o que distingue as ervas daninhas das outras que estão a rebentar, se devo semear ou plantar… E eu a pensar que era só curvar-me, abrir uns buracos e pôr lá sementes. Isso já eu cumpro, na maior. Cavar faz músculo, mas é inato. Agora, o resto… é uma surpresa a cada empreitada.
Neste momento, com a horta quase toda trabalhada, fico orgulhosa ao acompanhar o crescimento das couves, dos brócolos, das alfaces, dos espinafres, da rúcula, do manjericão (já trouxe cinco folhas para casa) e dos coentros. O restante ainda não despontou. Haja sol e alguma chuva.
Alguns dias são melhores do que outros. Um deles ainda está fresco na memória: vários amigos apareceram para espreitar o nosso pedaço de terra e ajudar-nos. Fizemos um piquenique nas mesas ao lado da horta – quase parecia que estávamos em casa. Era para dias como este que andava há anos a desejar ter uma horta.