Não é à toa que figura, há anos, no livro vermelho das espécies ameaçadas. Extremamente exigente com o habitat, a borboleta azul ou Maculinea alcon, de batismo científico, desaparece quase sem deixar rasto se não estiverem reunidas todas as condições ideais para viver e reproduzir-se. Isto, apesar de o seu ciclo de vida não ultrapassar 12 dias.
No Reino Unido e na Holanda, por exemplo, a borboleta azul não foi vista durante décadas, até se tornar objeto de programas de reintrodução. Em Portugal, os últimos registos da sua presença datam da década de 1940, no vale da Campeã, nas cercanias de Vila Real. Mas, quando os terrenos onde vivia foram agricultados, desapareceu.
Só em 2003, o entomologista Ernestino Maravalhas, fundador do Tagis Centro de Conservação de Borboletas de Portugal, a redescobriu no Parque Natural do Alvão.
Mais recentemente, surgiram notícias de novas colónias em Montemuro, Vila Pouca de Aguiar e Montalegre. Mas é no lameiro de Dona Libânia, em Lamas de Olo, no Parque Natural do Alvão, que está a maioria delas.
“No ano passado, voaram aqui mais de 5 200 borboletas azuis, um número muito superior às 260 que registámos em 2006, quando iniciámos este programa de preservação”, alegra-se Paula Arnaldo, entomologista e coordenadora do Departamento de Proteção de Plantas da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).
Enganar as formigas
De rede borboleteira na mão e caneta de acetato no bolso, os técnicos da universidade transmontana passam as manhãs de verão em trabalho de campo. Capturam e numeram, cuidadosamente, as asas de cada exemplar para, depois, os monitorizarem. O objetivo é conhecer o mais profundamente possível a espécie, medindo, por exemplo, o período de voo, as distâncias percorridas, o número de ovos que colocam em cada flor, a taxa de sobrevivência ou o tempo de gestação.
Delicada e do tamanho de uma folha de trevo, a borboleta azul começa a voar em inícios de julho e desaparece em finais de agosto. “Este ano, apareceu por volta do dia 16 de julho mas, em anos anteriores, costumava ser uma semana antes”, explica Paula Arnaldo. Primeiro, surge o macho, com a face posterior da asa azul, e, dois dias depois, a fêmea, com a coloração apenas na região abdominal. O acasalamento, que demora cerca de uma hora, ocorre logo nos primeiros dias de vida. É neste momento da cópula que as borboletas ficam mais expostas aos predadores, como os gafanhotos, as aranhas e também os parasitoides.
Determinante para o sucesso da geração seguinte é o momento de pôr os ovos. Apenas a genciana-das-turfeiras (Gentiana pneumonanthe) lhes serve de planta hospedeira, sendo criteriosa a escolha da localização para a postura. Cada fêmea põe, em média, 60 ovos, distribuídos em grupos de três a quatro por planta. “Fazem-no sempre numa planta com o botão ainda por abrir e que fique próxima de um formigueiro de uma espécie única de formiga, a Myrmica aloba”, revela, entusiasmada, a investigadora da UTAD.
E a razão é simples: é que, depois do desenvolvimento embrionário, que demora três a quatro semanas, as lagartas deixam de se alimentar dos tecidos vegetais dos ovários da planta e atingem o terceiro estado de desenvolvimento, tornando-se mirmecófilas, ou seja, ficam preparadas para viver em associação com as formigas. Nessa altura, deixam-se cair da planta e aguardam no solo a passagem das formigas que, iludidas pelo néctar que as lagartas libertam, as confundem com larvas da própria espécie.
Nos formigueiros, passam depois cerca de onze meses, sendo alimentadas pelas formigas. No início do verão, terminam o estado larvar e transformam-se em pupa, ainda dentro do formigueiro. Nessa altura, prestes a atingir a fase adulta, perdem as capacidades de camuflagem e, ainda antes de expandirem as asas, têm de sair rapidamente para não serem mortas pelas formigas, quando estas descobrem ter sido enganadas…
Ecossistema delicado
Com seis núcleos selecionados em Lamas de Olo, os técnicos da UTAD estudam, agora, a possibilidade de cruzar colónias, para saber se as borboletas conseguem voar 700 ou 800 metros até outra população vizinha. “Já registámos cinco que o conseguiram fazer”, explica Paula Arnaldo. “Estamos a pensar abrir corredores verdes. É um trabalho de paisagem, para maior estabilidade do sistema genético. Cruzando-se muitas vezes, os problemas de consanguinidade diminuem e a resistência aumenta.”
Perante condições tão sui generis para a preservação e desenvolvimento da espécie, é natural que as preocupações dos técnicos da universidade, da autarquia de Vila Real e dos responsáveis pelo Parque Natural do Alvão residam na sensibilização dos habitantes da área. “As restrições já são muitas para as pessoas que vivem no perímetro do parque e, por isso, é preciso envolvê–las no processo”, explica Miguel Esteves, vereador do Ambiente da Câmara local.
O pastoreio do gado, por exemplo, sendo importante porque enriquece as turfeiras, não pode tornar-se muito intenso, sob pena de destruir as gencianas e, consequentemente, as borboletas. Uma das apostas da autarquia consiste, por isso, na criação de uma marca, a Maculínea, aproveitando o nome científico da borboleta, para dar valor aos produtos da região e envolver a comunidade local na preservação da espécie.