António Castelo tem 26 anos e passou um mês a observar os animais e plantas que vivem em torno de um dos rios mais selvagens e preservados da Europa, o Tua. O jovem produtor da curta metragem Vale do Tua, pode considerar-se um privilegiado, pelas piores razões.
A maioria dos portugueses não conhece as paisagens que paulatinamente o afluente do Douro ajudou a moldar. A maioria dos portugueses talvez nunca as chegue a conhecer. A construção da barragem de Foz-Tua, adjudicada à EDP, destruirá uma parte considerável do curso final do rio, transformando-o em albufeira.
Numa tentativa de alertar para esta realidade, a associação Aid Nature e o Partido dos Animais e da Natureza (PAN) lançaram ontem, na FNAC do Colombo, a anteestria de um filme “acerca do Vale do Tua e da destruição causada pela construção da barragem do Foz Tua e da perda do património mundial do Alto Douro Vinhateiro”, anunciam.
A VISÃO Verde entrevistou António Castelo, da Aid Nature, produtor desta película.
Porquê um filme sobre o Vale do Tua? Porque é demais. A ideia surgiu de mim e do João Vasconcelos, realizador e editor do filme. A barragem é um atentado grave demais para passar sem se falar. A tragédia ambiental é enorme. Toda a zona do Vale do Tua tem uma biodiversidade enorme, é um corredor de passagem para espécies emblemáticas nacionais, como o lobo, a corça ou o veado. A nível patrimonial há a Linha do Tua, que é um recurso turístico importante e cuja revitalização poderia trazer uma nova dinâmica a toda a zona.
Mas, ainda assim, a construção da barragem avança… O problema é que os interesses económicos de alguns estão acima dos interesses do país. Há meia dúzia de pessoas que quer que aquilo aconteça: a EDP, os donos das construtoras, quem fez o projeto e quem faz com que ele não pare. Tem havido várias propostas no Parlamento para impedir a construção da barragem. E têm sido apresentadas outras soluções, melhores para o ambiente e mais baratas que têm sido rejeitadas.
É um filme-manifesto? É. Não pretende ser um fragmento de arte ou um documentário por aí além. Foi um filme feito com sentido de urgência para chamar a atenção para o que se está a passar. Isto não devia estar a acontecer, não devia mesmo. E nós, vamos ficar a ver? Se é assim, pelo menos que vejamos o que esta a acontecer, para que não passe ao lado de ninguém.
Quanto tempo demorou a filmagem? Filmámos em duas fases diferentes. Em Março de 2012 filmamos o Tuela, durante uns doze dias e depois em Junho passámos cerca de 22 dias a filmar apenas o troço do Tua.
Quanto custou este filme? Quem o financiou? Conhecemos o Orlando Figueiredo do PAN quando andávamos discutir temas de conservação da natureza e, mais tarde, ele convidou-nos para ajudar a criar o grupo de trabalho de conservação de vida selvagem do PAN, que aceitámos. Mas não somos militantes. Entretanto surge a ideia de fazer este filme, o PAN financiou os custos de alojamento, gasolina e alimentação e nós oferecemos o nosso trabalho. Se for feito por pessoas que acreditam e com um sentido de missão um filme destes faz-se com 1000 a 1500 euros. Mas não é fácil, implica algum desconforto: acampar, acordar a meio da noite para carregar baterias, trabalhar 14 horas por dia…
É o primeiro filme da Aid Nature num registo mais militante? Sim, porque somos recentes e ainda não tivemos tempo para fazer mais. Mas a destruição do Tua é grave demais, é grave demais! O Plano Nacional de Barragens tem muitos atentados, mas este é o mais grave. Porque o mal no Sabor já está feito…
Como foi encontrar os animais? Há um trabalho prévio de preparação e depois é esperar que os animais apareçam. Estávamos a tentar filmar o guarda-rios e, de repente, apareceu uma cobra-d’àgua-viperina. Ficámos a observar a cobra a comer os peixes todos e, sem que eu notasse, subiu-me pelas calças acima. Senti uma comichão, sacudi a perna e ela saiu. Foi engraçado… A prospeção é importante. Quando saímos para o campo tínhamos medo de não encontrar os animais. Tínhamos pouco tempo e pouco orçamento. O que mais me impressionou foi a quantidade de biodiversidade que existe no Tua. É tanta, há tantos animais que não precisamos de ninguém para nos indicar sítios especiais onde eles se possam esconder. É impressionante a quantidade de animais naquele curto espaço de terreno.
E com a escrita do guião, como fazem? Normalmente eu e o João temos uma ideia, desenvolvemos tópicos à volta disso e tentamos captar as imagens. A grande ideia era a de estamos a assistir à destruição gratuita de um bocado de terra que é Património da Humanidade e é dos sítios mais preciosos da Península Ibérica.
Está contente com o resultado final? Estou. Não tivemos grande preocupação conceptual ou estética neste documentário. A nossa intenção é sensibilizar e informar. A beleza da fauna e da flora estão lá. O que lá está vale por si, chega. Isso é que tem valor.
Acredita que é possível salvar o Tua? Acho difícil. Tinha de haver um envolvimento maior da sociedade civil. Eu tinha sempre de fazer este filme e as pessoas que lutam contra isto fazem porque tem de ser feito, tem de ser dito. Mas há interesses muito poderosos e se não houver um maior envolvimento de todos, será muito difícil.