Há democracia e há Democracia: em 2011, a Câmara de Cascais pegou em 1,5 milhões de euros e perguntou aos munícipes onde eles queriam gastar o dinheiro.
Isto sem lhes dar opções à partida: os habitantes do concelho teriam de pensar em alguma coisa que ajudasse a melhorar a vida na sua zona, estruturar a ideia e apresentá-la em reuniões organizadas para o efeito. O limite era a imaginação (e 300 mil euros o valor máximo a que cada proposta poderia almejar).
Ao contrário do que costuma acontecer nas eleições, a sociedade civil respondeu à chamada. De repente, a câmara tinha em discussão 286 projetos, apresentados por mais de meio milhar de pessoas. E a qualidade acompanhava a quantidade: havia tantas boas ideias que o concelho decidiu aumentar a parada, aumentando a verba de 1,5 milhões de euros para 2,1 milhões, de modo a financiar mais propostas. Após uma triagem técnica, 30 ideias seguiram para referendo; quase sete mil votos mais tarde, feitos no site da autarquia, estavam encontrados os 12 vencedores. A câmara decidiu repetir a experiência este ano e torná-la permanente.
O orçamento participativo, em que os cidadãos determinam diretamente em que se gasta parte das verbas públicas, surgiu pela primeira vez na cidade brasileira de Porto Alegre, em 1989. Depois, espalhou-se pelo mundo. Há hoje duas mil vilas ou cidades a pôr a decisão nas mãos dos seus habitantes. Em Portugal, são 25 os concelhos com este mecanismo. Cascais é o que disponibiliza, per capita, a maior fatia do dinheiro municipal.
ORÇAMENTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO?
Um dos projetos vencedores, no concelho da Linha, foi um parque infantil, preparado para crianças deficientes, que está a ser construído num terreno baldio mesmo ao lado do local onde vai nascer uma infraestrutura (com lar de idosos, berçário e infantário) do Centro de Reabilitação e Integração de Deficientes. “Tinha toda a lógica construir ali um parque infantil “, diz Maria de Lurdes Rocha Vieira, 66 anos, presidente da instituição de solidariedade social. “Quando ouvimos falar do orçamento participativo, falámos com o arquiteto Gonçalo Andrade, que já trabalhava connosco, e pedimos-lhe para fazer o projeto. Depois, apresentámo-lo.” A ideia teve tal impacto que alguns proponentes desistiram das suas propostas.
Seguiu-se a campanha eleitoral. “Falámos com a comunidade, os nossos vizinhos, fomos às escolas, espalhámos a palavra pelo Facebook…”, explica Maria de Lurdes. “E ganhámos. Prova que os portugueses são um povo solidário.” “É apenas o começo”, garante o vereador Nuno Piteira Lopes, responsável pelo programa cascalense, que acabou de ser distinguido, numa conferência em Porto Alegre, com um prémio pelo Observatório Internacional de Democracia Participativa.
“Só há verdadeira democracia se os cidadãos participarem ativamente. Um dia, gostava de ver este instrumento aplicado ao Orçamento do Estado.” Será que esse dia alguma vez vai chegar?
[ Número ]
2,1 milhões de euros
A verba que Cascais atribuiu, no ano passado, aos projetos propostos pela sociedade civil
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PROJETO UMA CIDADE PERFEITA
A partir de um estudo da Inteli, que analisou 50 projetos municipais exemplares, a VISÃO escolheu cinco para dar a conhecer nas páginas da revista, durante o mês de agosto, um por área analisada: sustentabilidade, inclusão social, governação, inovação e conectividade. Os leitores podem conhecer todos os projetos selecionados das 25 cidades estudadas e, depois, votar no seu favorito, a partir de 1 de Setembro.
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