Werther, o personagem principal de um livro de Goethe, é um romântico, um inadaptado e um crítico quer dos costumes aristocráticos, quer dos costumes burgueses da sua época. A sua juventude, a sua erudição e a génese apaixonada do seu carácter levam-no a sentir-se sempre fora dos cânones e considera-se um eterno incompreendido. Escrito em 1774 “A paixão do jovem Werther” foi a obra percursora do romantismo alemão evidenciando-se por uma oposição frontal ao normativismo, às regras, à razão e ao pensamento estreitamente objectivo. Werther apaixona-se por Charlotte com um amor maior do que o mundo. Como todos os grandes amores da literatura, é também um amor impossível, o que o leva a suicidar-se.
Talvez não devamos levar o seu destino muito a peito, como aliás infelizmente, fizeram muitos jovens leitores na altura, mas temos que aprender a, tal como Werther, não desistir de pensar e reflectir nos problemas, no nosso caso, ambientais. Dizia Werther “quando verifico como ficamos tranquilos sobre certas questões a investigar, e que isso não é mais do que uma resignação ilusória, pois andamos a pintar com desenhos coloridos e panoramas resplandecentes as paredes que nos mantêm presos (…) volto-me então para mim próprio e encontro todo um mundo”. Este individualismo romântico é intrinsecamente ligado à natureza e à estética, mas hoje não nos podemos voltar apenas para nós próprios, quando vemos também esta recusa de investigar “certas questões”, temos que nos voltar também para o/s outro/s, e acima de tudo para a comunidade que é, afinal de contas, a essência da humanidade.
Existe uma série de iniciativas e de movimentos, por pessoas que, por vezes, são também maiores do que o mundo, e que ante a crise económica, ambiental e societal procuram novos caminhos, mais românticos do que aqueles que hoje trilhamos, mais comunitários e, temos a certeza, com um fim certamente mais feliz do que a bala que Werther disparou sobre si próprio. O movimento slow, do slow food, da permacultura, de transição, as iniciativas “occupy” são um pouco o nosso Werther, que sem medo das suas paixões, rompem com o estabelecido, sem medo do novo, da surpresa, eventualmente mesmo do sofrimento e desalento.
O movimento slow food já existe em Portugal desde 1997. “O movimento defende um modo de vida sem pressa. Contribui para a saúde, a economia e o ambiente ensinando a aprender, a reconhecer e a exigir alimentos que sejam bons, limpos e justos. O bom está associado ao saboroso, fresco, sazonal, capaz de estimular e satisfazer os sentidos. Limpo significa ser produzido sem exigir demasiado dos recursos da Terra, dos seus ecossistemas e do meio ambiente e sem prejudicar a saúde humana. O justo implica o respeito pela justiça social, promovendo o pagamento e condições justos para todos os envolvidos, desde a produção até à comercialização e consumo.”
O movimento de transição, muitas vezes também associado à permacultura – é um movimento que tem como objectivo transformar as cidades em modelos sustentáveis, menos dependentes do petróleo, mais ligadas à natureza e mais resistentes a crises externas, tanto económicas como ecológicas.
Movimentos como estes são uma fonte de esperança, na sua recusa da anestesia colectiva quer à “burguesia” instalada, ou nas palavras irónicas de Goethe “O burguês abastado sabe tratar delicadamente do seu jardinzinho, fazendo dele um paraíso” quer aos aristocratas que viviam/vivem fechados no seu mundo e que Goethe tão bem descreve: “não tem espírito nem amparo além do rol de antepassados, nenhuma protecção a não ser a condição social a que se recolhe qual paliçada, nenhum prazer que não seja olhar com desdém, do andar nobre de sua casa, os pobres burgueses que passam na rua”. Talvez seja assim, com este desdém, com esta altivez muito baixa, que muitos vejam este tipo de iniciativas que começa a florescer e, felizmente, a proliferar. Há que ignorar uns e outros e manter a paixão acesa.
“A paixão do jovem Werther” transborda de natureza e amor, que são os temas românticos por excelência, e serão também os temas que nos podem salvar de um mundo demasiado real, do pensamento demasiado objectivo, e da constante primazia de uma razão demasiado monolítica. Tal como Werther e como as centenas de pessoas destes movimentos, temos que ter coragem para sonhar com um outro caminho e construir um novo mundo, um mundo com paixões.