Há não muito tempo a revista Nature publicava um artigo (e que um dos nossos evadidos cérebros científicos fez o favor de me enviar), que abordava uma perspectiva curiosa do ser humano – a nossa excessiva autoconfiança. Na abordagem dos autores, devidamente fundamentada, o ser-humano tem evoluído tendo esta curiosa característica por base. Foi esta peculiaridade que lhe permitiu, durante milhares de anos, atirar-se para desafios para os quais aparentemente estava sub-capacitado; que lhe permitiu ganhar disputas sem necessariamente entrar na contenda, com todos os riscos a esta subjacentes; que lhe permitiu todo um mundo de descobertas, conquistas e invenções.
Fomos habituados a ganhar pela nossa capacidade de fazer
bluff para com aquele que constituía para nós um obstáculo, fomos reforçados positivamente pelas recompensas que obtínhamos ao embarcarmos em aventuras e desafios aparentemente acima das nossas capacidades. E, com esta premissa e obtendo sempre mais vitórias do que derrotas, fomos propagando este ser-humano que fugia à tradicional definição de “sobrevivência do mais apto” para algo mais parecido a “sobrevivência do mais autoconfiante”.
E assim fomos conquistando novos territórios, basta lembrarmo-nos da expansão do ser-humano ao longo do planeta terra e no que foi vencendo para se adaptar às novas condições, ou na época dos descobrimentos e na forma como os povos se lançavam ao mar em verdadeiras cascas-de-noz. Descobrimos riquezas e recursos no interior profundo da terra, mas também do mar; construímos pontes e túneis; batemos recordes de velocidade e potência; fomos ao espaço e ao fundo dos oceanos.
Um dos grandes adversários do ser-humano ao longo da sua evolução, quer distante quer recente, sempre foi o planeta Terra. Quer nas coisas mais simples, como a escolha de um local para viver, que forçou o homem a desafiar as condições climatéricas, e em que recorrentemente assistimos ao resultado de escolhas menos ponderadas, como a destruição de povoações erguidas em território de tornados, falhas tectónicas ou zonas de cheias; ou mesmo quando fazemos braço de ferro com o planeta na busca pelos seus recursos mais preciosos, como o petróleo, ouro, carvão, ou mesmo alimento. Pelo caminho, ainda que tenhamos sofrido o resultado de uma má medição de forças ou possíveis consequências, o que nos levou a toda uma série de catástrofes e dissabores, a verdade é que fomos sendo recompensados por essa atitude de desafio perante o aparentemente impossível, tendo confiado sempre na ciência ou na nossa capacidade de nos reinventarmos para resolver os problemas que criámos.
Mas a realidade é que não temos resolvido nada, temos apenas adiado o problema. Com a procura de novos recursos, com a criação de mais soluções temporárias, com o exigir de mais e mais fundo do nosso planeta, fomos empurrando para mais tarde o dia em que teremos que prestar contas. A nossa atitude de excessiva autoconfiança está patente na nossa estratégia de extremo consumismo, em que exploramos demais para sustentarmos uma economia de escolha entre muito; na nossa estratégia de exploração dos recursos pesqueiros, em que não paramos até à extinção das espécies e, quando isso acontece, encontramos outro alvo e acreditamos que o oceano será sempre aquele poço sem fundo que nos continuará a dar o que necessitamos, ao ritmo que queremos; está espelhado na forma como continuamos a ignorar todos os sinais e avisos do potencial catastrófico do aquecimento global, preferindo continuar o nosso estilo de vida, e olhando para quem nos alerta como sendo aquelas pessoas sem visão e sem a capacidade de abordar o mundo como vencedores.
Tal como numa qualquer partida de póquer, vamos olhando para o nosso pretenso adversário, o planeta Terra, apostando cada vez mais, aumentando a parada de dia para dia. Mas chegará o dia em que este adversário nos forçará a mostrar o jogo e desmascarará o nosso bluff e, nessa altura, descobriremos que o que apostámos era bem superior àquilo que tínhamos a ganhar.