“Repara homem, para aquele bocadinho de vale, e consegue não pensar, por um momento, nos trinta mil réis que ele rende! Verás que pela sua beleza e graça ele te dá mais contentamento à alma que os trinta mil réis ao corpo” dizia Jacinto a Zé Fernandes em “A Cidade e As Serras”. Com esta frase, Eça de Queiroz captou um dos grandes males da nossa sociedade ocidental, sabermos o preço de tudo, mas nem sempre o seu real valor. A monetarização universal, para que possamos todos “falar” a mesma linguagem, foi lentamente matando outras línguas, outras formas de comunicação e outras formas de valorização.
Em política de ambiente, esta moda começou nos anos setenta com a análise de custo-benefício. Estas análises permitem, dentro de premissas exclusivamente económicas, avaliar e comparar projectos. A preocupação com a quantificação monetária sobrepôs-se a outras formas de valorização que foram lentamente desaparecendo do universo discursivo e decisivo quer a nível político quer social e mesmo cultural. Quando a protecção do ambiente é legitimada essencialmente pelas suas eventuais poupanças económicas perde-se a capacidade reflexiva sobre o caminho de progresso das nossas sociedades, ignora-se a importância da nossa relação com a natureza, e perdem-se os argumentos éticos e de justiça associados à enorme pegada ecológica que estamos a deixar aos nossos filhos e ao planeta. No entanto, nos últimos anos, essa filosofia de quantificação monetária foi o caminho trilhado, quer por exemplo na política das alterações climáticas quer na política da biodiversidade.
O relatório Stern* publicado em 2006, resultado de um estudo encomendado pelo Governo Britânico ao economista Sir Nicholas Stern, calculava o impacte das alterações climáticas na economia, e previa que com um investimento de apenas 1% do PIB mundial se podia evitar a perda de 20% do mesmo PIB num prazo de 50 anos. Finalmente, os ambientalistas tinham um argumento que os políticos, os economistas e mesmo a sociedade em geral percebiam. Era um argumento que falava uma língua universal, mas mesmo assim não conseguiu convencer quem não queria ser convencido. Actualmente e apesar de constantemente reiterados os potenciais impactes das alterações climáticas, estas são um assunto quase morto fora de um mundo restrito de académicos, activistas, organizações mundiais e uns poucos políticos. As potenciais perdas económicas não foram afinal um critério mais forte do que os critérios científicos anteriormente utilizados, e tiveram todos o mesmo fim político: serem, grosso modo, ignorados.
Em 2001, as Nações Unidas lançaram um mega-estudo à escala mundial sobre a situação dos ecossistemas, envolvendo durante cinco anos mais de 1350 peritos, intitulado “Millennium Ecosystem Assessment” (MEA)**. Este estudo identificou e organizou os diversos serviços dos ecossistemas e concluiu que estes eram fundamentais para o bem-estar humano. Esta linguagem dos serviços dos ecossistemas pretende, mais uma vez, uniformizar a compreensão da mensagem ambiental. Na base dos referidos serviços dos ecossistemas: de produção (eg. alimentos, água); de regulação (eg. clima, água); culturais (eg. espirituais, estéticos); e os de suporte (eg. formação de solo, ciclo dos nutrientes, produção primária), encontra-se a biodiversidade, e consequentemente tinha-se dado um passo importante para a compreensão da necessidade de a preservar. O passo seguinte seria naturalmente o de quantificar monetariamente estes serviços. Partindo do princípio que os serviços dos ecossistemas são bens públicos e que ninguém é o seu dono, numa lógica economicista pensa-se que não há grandes incentivos para os preservar. Não havendo mecanismos directos do mercado que assinalem a sua degradação até ser tarde demais, inventaram-se então os “pagamentos para os serviços dos ecossistemas”. Este mês a FAO (Food and Agriculture Organization) lançou mais um relatório***, uma espécie de manual sobre estes pagamentos.
No decurso desta aventura (parcialmente válida) estamos a esquecer-nos que os argumentos sociais, ambientais, estéticos e acima de tudo éticos não podem ser esquecidos, ignorados, ou ultrapassados neste grande desafio da humanidade. Estamos a falar a linguagem dos políticos e dos decisores, e convencemo-nos que os argumentos – agora económicos – seriam irrefutáveis. Mas, helás, aparentemente pouca diferença faz. Afigura-se haver outros mecanismos insondáveis para a certificação e validação de critérios e argumentos. Talvez então seja melhor complementar esta estratégia, com outra, que apesar de envolver um risco ainda maior de ser ignorada, não pode deixar de ser tentada: fazer um esforço para aprender e ensinar a linguagem da ética. No fundo, aprendemos a linguagem do dinheiro e no processo fomos esquecendo a beleza e graça do vale e do contentamento que ele dá à alma, como dizia Jacinto. Relembremo-las em conjunto, para nosso bem e para o bem desses montes e vales.