A monogamia é uma prática comum entre as aves – cerca de 90% das espécies são fiéis ao mesmo parceiro para toda a vida. Os albatrozes estão entre os mais monogâmicos. Mas, quando as temperaturas da água do mar aumentam, no caso do albatroz-de-sobrancelha de New Island, nas ilhas Falklands, registam-se mais separações entre os casais.
Uma equipa de cinco cientistas (entre os quais três investigadores de universidades portuguesas) estabeleceu uma relação entre o aumento da temperatura das águas do mar e a prevalência de divórcios numa população de albatrozes. De acordo com um comunicado, “a investigação, realizada nas ilhas Falkland, demonstrou pela primeira vez uma influência direta do meio ambiente nas taxas de divórcio de uma espécie monogâmica”. A descoberta demonstra ainda “como as condições ambientais, nomeadamente as alterações ligadas ao aquecimento global, podem afetar o mundo vivo de formas que por vezes não imaginamos, com consequências nas populações de animais selvagens”.
Paulo Catry, Francesco Ventura e José Pedro Granadeiro, cientistas de duas universidades portuguesas – o primeiro do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente do Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (MARE – ISPA) e os outros dois do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (CESAM – FCUL) – estão entre os cientistas que conduziram o estudo, que foi publicado na Proceedings of The Royal Society.
A equipa utilizou uma base de dados, onde foi registado o destino de cerca de 500 casais de albatrozes, ao longo de quase duas décadas. Esta monitorização permitiu aos investigadores estabelecer uma taxa de divórcios, ou seja, quando um dos membros de um par previamente estabelecido continuava na mesma colónia, mas a nidificar com um novo parceiro.
As taxas de divórcio variaram entre 1% e 8% por ano, o que levantou questões entre os cientistas. “Quando percebemos que uma mesma população tinha taxas de divórcio diferentes em anos diferentes, perguntámo-nos se essas flutuações seriam explicadas por mudanças nas condições ambientais enfrentadas pelos albatrozes reprodutores”, diz Francesco Ventura, investigador do CESAM, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “E, de facto, desde o início que os resultados da nossa análise sugeriram que era mesmo isso que estava a acontecer.”
Em geral, o divórcio representa uma estratégia para corrigir as parcerias subótimas, e é iniciado pelas fêmeas, que procuram um novo parceiro após tentativas de reprodução falhadas, embora nem sempre seja assim, explica Paulo Catry, professor e investigador no MARE, do ISPA. “É verdade que casais que falham uma tentativa de reprodução são cinco vezes mais propensos a divorciarem-se. No entanto, muitos casais que não tiveram sucesso permaneceram juntos e alguns que tiveram sucesso divorciaram-se de qualquer forma. O sucesso reprodutor não explica tudo.”
A pesquisa revelou que há um fator ambiental mais importante nas taxas de divórcio: os casais de albatrozes são mais propensos a divorciarem-se em anos caracterizados por uma superfície do mar mais quente.
As temperaturas da água do mar estão diretamente relacionadas com a disponibilidade de alimento para os albatrozes – águas frias representam uma maior disponibilidade de alimentos e nutrientes, e águas mais quentes representam menos recursos. Esta maior dificuldade em encontrar alimento também significa que menos crias sobrevivem, e os adultos são forçados a viajar para mais longe em busca de alimento.
As consequências do divórcio
“Isto não foi uma surpresa total, pois sabíamos, através de estudos anteriores, que os albatrozes-de-sobrancelha de New Island têm mais dificuldade em reproduzir-se com sucesso em temporadas com águas mais quentes”, explica Francesco Ventura. “Contudo, o nosso estudo representa a primeira evidência quantitativa de um impacto direto do meio ambiente no divórcio… Isto fez-nos pensar sobre as várias formas, não imediatamente óbvias, pelas quais as mudanças ambientais e climáticas podem afetar as populações selvagens. Quando as aves se divorciam, isso também pode ter implicações negativas para o seu sucesso reprodutor, pelo que o aumento das taxas de divórcio não é inconsequente.”
Estas subtis mas importantes alterações no habitat destas aves podem ter consequências significativas, afetando a sua reprodução por vários anos.
“Em anos maus, os custos de reprodução são maiores, e isso pode fazer com que os albatrozes precisem de mais tempo para se prepararem para a estação reprodutora seguinte, chegando mais tarde e de forma assíncrona à colónia de nidificação o que, em última instância, leva a que se divorciem com maior frequência”, afirma José Pedro Granadeiro, do CESAM – FCUL, coautor do estudo.
“Outra possibilidade pode ser representada pelo stresse fisiológico. Em anos mais difíceis, as aves têm mais dificuldades em encontrar alimento, e podem ter níveis mais elevados de hormonas de stress”, continua. “Se um membro do casal, provavelmente a fêmea, atribuir erroneamente o seu próprio stress elevado a um mau desempenho do parceiro nos cuidados parentais, isso pode também levar à ruptura de uma relação de casal.”
Estas descobertas vêm na sequência de um declínio em populações de albatrozes um pouco por todo o mundo – e os cientistas esperam que seja possível realizar mais estudos que ajudem a “compreender a ecologia da população e, em última instância, promover sua conservação”, diz Paulo Catry.
O ciclo de reprodução destas aves, que podem viver até aos 60 anos, é, na verdade, muito semelhante ao dos humanos: têm uma fase ‘adolescente’ em que aprendem a seduzir um parceiro através de danças, antes de se unirem ao parceiro que escolheram e o aceitam, normalmente para a vida.