
São quase seis da tarde, hora em que arranca a apresentação de um estudo sobre o impacto das políticas climáticas na desigualdade de género, e já não há lugares sentados. Mas, entre as dezenas de pessoas na plateia, os dedos de uma mão sobram para contar os homens, no pavilhão do Conselho Nórdico de Ministros (CNM), na zona mais movimentada da COP26, em Glasgow. Aparentemente, a igualdade no contexto das alterações climáticas não interessa a todos por igual – o que, de certa forma, é coerente com os resultados que vão ser apresentados daí a minutos.
O estudo, realizado pela consultora dinamarquesa de ambiente Plan Miljio, com o apoio do CNM (uma entidade de cooperação entre os governos escandinavos), conclui que as mulheres estão a ser ignoradas nas políticas de combate às alterações climáticas, com dois resultados negativos: as medidas falham, porque as diferenças entre géneros são ignoradas, e os homens acabam por ser beneficiados, aumentando ainda mais a desigualdade.
“É um pouco como acontece na produção automóvel: os carros não são desenhados para mulheres e, por isso, elas têm uma probabilidade 47% maior de saírem magoadas de um acidente”, compara Katrine Weber, da Plan Miljo. Neste caso, continua a analista, a “cegueira de género” das políticas climáticas está a aumentar a desigualdade no acesso a empregos verdes especializados, nas quatro áreas-chave: ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, a sigla usada internacionalmente).
“Os novos empregos são em setores dominados por homens”, continua. “Hoje, na União Europeia, as mulheres da União Europeia passam, por dia, mais 70 minutos do que os homens em lides domésticas; nos países nórdicos, os mais igualitários do mundo, há uma diferença salarial média entre homens e mulheres de 14,3%. Com políticas climáticas que não pensam nas mulheres, corremos o risco de aumentar este fosso.
Nina Lander Svendsen, outra autora do estudo, dá exemplos de diferenças de consumo entre eles e elas que estão a passar ao lado das políticas climáticas, prejudicando não só as mulheres como também a eficácia dessas próprias políticas. “Os homens tendem a usar mais combustível e a comer mais carne, e por isso têm uma pegada carbónica 16% maior do que as mulheres. Mas as iniciativas do clima não levam estas diferenças em conta. Precisamos de mais conhecimento para saber os padrões de consumo, antes de definir as políticas.”
Os homens é que decidem
Além de estarem a ser prejudicadas pelas medidas climáticas, as mulheres são também desproporcionalmente afetadas pelas alterações no clima, lembra Anne-Marie Abaagu, do Programa Ambiental Feminino, da Nigéria. “O género não é debatido no contexto das alterações climáticas”, lamenta. “E essa é uma barreira que pode ser problemática.”
Um exemplo claro é a questão do transporte de água, que em África cabe às mulheres e que é já um dos maiores entraves ao empoderamento feminino (muitas vezes têm de caminhar vários quilómetros por dia) – com o aumento das secas, como se prevê, as mulheres poderão ter de desperdiçar ainda mais tempo a carregar água, tempo esse que podia ser aproveitado em tarefas mais produtivas ou a estudar.
Quem desenha as políticas climáticas não está atento a estes impactos, e uma das razões é que as vozes femininas estão subrepresentadas nos debates sobre o aquecimento global, acusa o consultor ambiental Oras Tynkkynen, da finlandesa Tyrsky Consulting. “É uma coisa que se vê aqui na COP26: os principais decisores são na sua maioria homens.” Tynkkynen acrescenta que um aumento de 3 ºC da temperatura média global seria “catastrófica para a igualdade de género”.