Os refugiados climáticos não são exclusivamente da espécie humana: as aves europeias estão a estender-se para norte a uma velocidade de quase um quilómetro por ano. Em média, nas últimas três décadas, deslocaram-se 28 quilómetros. Esta é uma das conclusões do segundo Atlas Europeu de Aves Reprodutoras, publicado em dezembro, que analisa a distribuição de 539 espécies do Velho Continente, de norte a sul e dos Açores portugueses aos Urais russos, comparando-as com o primeiro atlas, editado em 1997 com dados dos anos 80.
Ao contrário da maior parte dos animais, as aves têm mostrado uma enorme resiliência às alterações do clima e a outras pressões sobre os seus habitats. Trinta e cinco por cento das espécies aumentaram a sua distribuição e 25% reduziram-na (as restantes mantiveram ou não há dados suficientes sobre elas para perceber a tendência). As silvícolas são as que melhor se têm adaptado; a maioria das que perderam área vive em regiões agrícolas, onde o crescente sucesso do combate aos insetos tem afetado a disponibilidade de alimento.
Outra descoberta do “censo” é a de que as aves com algum estatuto de proteção tiveram melhores resultados, o que pode não ser grande surpresa, mas reforça a ideia de que proteger os animais dá frutos.
O efeito que leva as aves europeias a migrar não podia ser mais linear: é mais fácil acompanharem a evolução do clima, em que o norte é cada vez mais ameno, do que adaptarem-se a condições diferentes de temperatura e precipitação.

Por outro lado, muitas aves migratórias estão a regressar mais cedo ou até a permanecer o ano todo no mesmo local, em vez de rumarem a sul no inverno. Muitas cegonhas portuguesas, por exemplo, já não abandonam o País na época fria, em direção à África Subsariana. Parte do fenómeno deve-se à proteção de que gozam e à disponibilidade de alimento (sobretudo a existência de aterros de lixo e uma praga de lagostim-vermelho-do-Louisiana), mas o aquecimento também será um dos fatores.
Tudo bem… por agora
A migração para latitudes mais altas não é apenas uma questão de conforto térmico. As alterações climáticas estão a provocar mudanças na cadeia alimentar, e as aves limitam-se a seguir as suas fontes de alimento. Investigadores da Universidade de Ciência e Tecnologia da Noruega e da Universidade de Oxford debruçaram-se sobre as populações britânicas de chapim-real (uma das aves mais comuns na Europa, que pode ser encontrada em Portugal Continental do Algarve a Trás-os-Montes, incluindo nos jardins urbanos) e descobriram variações na época de reprodução para fazer coincidir a data de eclosão com o momento em que começam a surgir mais lagartas, a sua principal presa.
Todo o processo se assemelha a uma fila de peças de dominó a serem derrubadas: o aumento das temperaturas está a fazer com que os carvalhos ganhem folha mais cedo, no início da primavera; as lagartas, que se alimentam das folhas, adaptam-se e adiantam o nascimento; para garantir a sobrevivência das suas crias, os chapins-reais tiveram de antecipar a reprodução para apanhar o pico de lagartas, tendo em conta que precisam de levar para o ninho mil bichos por dia.

Hoje, devido a esta cadeia de causa-efeito, as crias eclodem do ovo 11 dias mais cedo do que acontecia há 40 anos. Não é uma surpresa. O primeiro estudo a apontar para uma antecipação da eclosão dos ovos de aves britânicas devido às alterações climáticas saiu em 1997, na Nature.
Mas esta nova investigação foi mais longe, com o objetivo de calcular os limites de adaptação do chapim-real. Até agora, dizem os autores do estudo, publicado na revista científica Ecology Letters, a espécie tem revelado uma capacidade notável de seguir o ciclo de vida das lagartas. Alertam, no entanto, que há um ponto de inflexão fatal para as aves – quando as folhas, e portanto as lagartas, surgirem 24 dias antes, o chapim-real ficará para trás.
Migrar e antecipar a época de reprodução não são as únicas armas das aves para enfrentar os novos tempos. Uma análise que cruzou dados de satélite da NASA com observações de voluntários do projeto de observação de aves eBird, na América do Norte, constatou que muitas aves abandonam o local onde vivem depois de fenómenos climáticos extremos (como tempestades, secas e ondas de calor), que são cada vez mais frequentes e intensos. O problema será quando já não tiverem para onde fugir.