Se tivermos uma galinha, podemos escolher matá-la e apreciar duas ou três refeições ou podemos ter ovos todos os dias durante muito tempo. Com as pescas é a mesma coisa. O problema é que escolhemos a opção errada. Segundo a Marine Stewardship Council (MSC), uma organização sem fins lucrativos que defende e certifica a pesca sustentável, a sobrepesca está não só a esvaziar os oceanos mas também a provocar um enorme desperdício alimentar.
A instituição fez as contas a partir de um estudo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences, uma das mais prestigiadas revistas científicas dos EUA, que calcula em 16 milhões de toneladas os recursos mundiais perdidos todos os anos devido à sobrepesca. Se gerirmos bem as pescas, deixando os stocks marinhos mais pressionados recuperarem, diz a ONG, poderemos aumentar a captura de peixe e marisco em quantidade suficiente para saciar o apetite de 72 milhões de pessoas por ano – sete vezes a população de Portugal
“Combater a sobrepesca é um benefício mútuo para o nosso planeta. Ao conservarmos os nossos abundantes recursos marinhos, permitimos também que mais pessoas tenham acesso à proteína de que necessitam para uma vida saudável”, diz Rohan Currey, diretor de Ciência e Normas do MSC, em comunicado.
Um dos resultados mais surpreendentes do estudo é a velocidade com que o recursos marinhos recuperam. Se começássemos hoje mesmo a gerir as pescas de forma rigorosa, os stocks recuperariam, em média, em apenas dez anos (o que também é revelador do impacto da atividade humana na natureza). Além do aumento substancial das pescas e do valor económico associado a esse crescimento – €44 mil milhões, o equivalente a 22% do PIB português –, o peso total de animais no mar aumentaria 619 milhões de toneladas. Este peso corresponde a mais de 6 milhões de baleias-azuis, o maior animal da Terra.
Pescada, não. Carapau, sim
Uma maior racionalização dos recursos é essencial para acompanhar o apetite da população mundial. Desde o início da década de 90, o consumo de peixe mais do que duplicou. Devido a essa procura, mais de um terço das unidades populacionais de peixe encontram-se sobre-exploradas para lá dos limites sustentáveis, avisa a MSC, uma situação que se tem agravado de ano para ano.
Portugal, que tem um dos maiores consumos mundiais de peixe por pessoa, deve esforçar-se particularmente por gerir melhor os seus recursos, lembra Gonçalo Carvalho, coordenador executivo da Sciaena, ONG portuguesa dedicada ao ambiente marinho. “Deixar os stocks recuperarem tem grandes benefícios sociais e económicos, além de ambientais. Se lhes dermos uma folga, maior será a capacidade de captura a médio e longo prazo, e até a curto prazo.”
O biólogo marinho dá o exemplo da pescada como espécie que tem sido capturada muito para lá do sustentável. “Os stocks de Portugal e Espanha estão no fio da navalha.” Para o consumidor consciente, a alternativa certa é o carapau, “que tem populações extremamente saudáveis”. Mas, sublinha, é imperativo reduzir em geral o consumo de proteína animal, incluindo a de peixe. “Comer bacalhau todas as semanas é insustentável.”
Os cálculos da MSC partiram das estimativas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, que recomenda uma ingestão diária de 50 gramas de proteína (18,25 quilos por ano), sendo que os 16 milhões de toneladas suplementares de peixe resultam em 1,3 milhões de proteína comestível.